Coimbra, Santarém, Lisboa, 1179

Em Maio de 1179, era outorgada a Coimbra, Santarém e Lisboa, uma carta de foro com idêntica redacção, que iria servir de modelo a várias outras concedidas a povoações situadas principalmente na actual província da Estremadura, no sudeste alentejano e no Algarve.

        1. A questão da prioridade.

Um dos problemas que mais vezes se têm levantado a propósito destes forais é o da prioridade, designadamente entre os diplomas de Santarém e Coimbra.

Na esteira de Alexandre Herculano e Gama Barros, que pressupunham a precedência ao foral de Santarém, Rui de Azevedo defendeu expressamente a prioridade do foral escalabitano, afirmando que os alvazis, referidos na documentação, são de origem meridional, e que foi em Santarém, em cujo termo na altura da reconquista cristã devia existir numerosa população mozárabe, que se introduziu a pluralidade de magistrados, para designar os quais se retomou o vocábulo alvazil.

Torquato Soares sustentou a prioridade do foral de Coimbra, considerando que foi por evolução orgânica e em data anterior ao foral de 1179 que apareceu a “magistratura plural dos alvazis, em substituição do judex da carta de 1111”, embora posteriormente aceitasse, quase na sua totalidade, os argumentos de Rui de Azevedo.

Paulo Merêa escreveu que a existência dos alvazis se dá em Coimbra antes de Santarém e Lisboa, e, embora o problema não seja o do nome, usado para designar altos funcionários, ele foi aplicado aos membros de um órgão colectivo que terá amadurecido em Coimbra, entre 1173 e 1179, o qual, logo de início seria da eleição do próprio concelho, enquanto o judex seria de nomeação régia.

Maria Helena da Cruz Coelho, depois de analisar os anteriores pontos de vista, declara-se perplexa, mas não sem antes ter observado que o texto “mais correcto do foral de Coimbra, a localidade da emissão do documento e até as anteriores cartas outorgadas a esta cidade, contendo cláusulas afins com as do actual diploma, eram factores que nos inclinariam para a última hipótese” (isto é, prioridade do foral de Coimbra).

A divergência entre os vários estudiosos têm sido motivada pelo diverso entendimento do que designam por prioridade.

Umas vezes, com efeito, pretende saber-se para qual dos diplomas se pode reivindicar a prioridade cronológica. Ora os forais das três cidades foram redigidos no mesmo ano, no mesmo mês, e, ainda que provavelmente escritos em dias diferentes, foram possivelmente assinados, sem preocupação de qualquer precedência, no mesmo dia.

Outras vezes fala-se da prioridade intencional, pretendendo adivinhar o que esteve em primeiro lugar na mente do outorgante. E, à falta de argumentos objectivos, apenas se poderá afirmar que o primeiro foral deve ter sido aquele cuja necessidade, em determinado momento, mais se faria sentir. Poderia andar olvidado o foral outorgado a Santarém no longínquo ano de 1085, mas Coimbra tinha o foral de 1111 e as Posturas de 1145, e Lisboa talvez já tivesse um foral, baseado no de Coimbra, o qual terá servido de modelo ao de Sintra, como já referimos. Restaria apegar-nos a argumentos, como o da necessidade de valorização da cavalaria vilã de Santarém e Lisboa, uma vez que a mais importante linha estratégica passara do Mondego para as margens do Tejo, mas, ao ler os três forais, nada se encontra de especial neste domínio, embora se preste grande atenção à ordem dos guerreiros.

Para compreender esses diplomas, mais do que a sequência intencional das motivações, e do que a ordem cronológica da outorga, interessa averiguar a sua genealogia, de modo a poder enquadrar devidamente as cláusulas que os integram e assim entender o seu alcance.

Por outro lado, certas questões pontuais, como a da existência dos alvazis, são falsos problemas, uma vez que o termo alvazil jamais aparece no texto destes diplomas. O termo é anterior (já Sisnando era dux, consul ou alvazil), mas a designar os membros de um órgão plural surgirá em documentos posteriores ao foral de 1179.

Sob o ponto de vista genealógico, a prioridade pertence a Coimbra, não pelo facto de nesta cidade terem sido assinados os três diplomas, mas porque eles representam o último estádio de uma evolução que, a partir do foral de 1111, paulatinamente se foi operando, e da qual as mais próximas fases anteriores a 1179 se encontram, seguindo uma linha, no foral de Sintra, de 1154, e seguindo outra, na súmula constituída pela junção dos dois forais de Tomar, outorgados em 1162 e 1174.

Esta verificação faz-se mediante o estudo do foral, mas há uma cláusula que, mesmo isoladamente, é esclarecedora, porque contém uma referência directa ao velho foral de Coimbra: em relação à madeira transportada por rio, determina-se que onde davam a oitava parte dêem a décima: “De madeira qui venerit per flumen, unde dabant octavam dent decimam”. Ora era precisamente o foral de Coimbra de 1111, não havia muito integralmente reproduzido pelo de Tomar e seus derivados, que estabelecia: “de madeira et de ligna que adducunt pro vendere dent octavam partem”. O redactor tinha diante de si, ou pelo menos muito viva na sua mente, como ponto de referência, uma versão do antigo diploma coimbrão.

        2. A organização local.

No plano da organização do município, o foral de 1179 pouco altera o que já conhecemos a respeito de Coimbra, através do foral de 1111 e das Posturas de 1145. A base de toda a organização continua a ser o concelho, cujo sustentáculo são os homens-bons. Não se fala no juiz, mas, em contrapartida, no seu lugar aparece o alcaide ou pretor, escolhido, de entre os moradores, pelo nobis homo ou rico-homem a quem estiver confiada a tenência da área.

O alcaide e o concelho escolhem o almotacé (que aparece, como vimos, nas posturas de 1145, e que já o foral de Tomar determinava que fosse eleito entre os moradores do concelho).

Outros funcionários que actuam no município são o mordomo, o saião, e o porteiro do pretor.

O mordomo aparece aqui revestido de funções judiciais: recebe queixas, que encaminha para o concelho, executa as penhoras, faz prisões (o foral determina que se deparar com mulher a ter relações torpes com clérigo, não prenda este, mas prenda a mulher, se assim o entender). O mordomo recolhe o gado perdido e manda-o apregoar todos os meses, podendo dispor dele a seu bel-prazer, se no fim de um trimestre não aparecer ninguém a reclamá-lo. Os peões dão ao mordomo a décima do que tiverem a receber, quando para tal efeito precisarem de recorrer aos seus serviços, mas, se este se recusar a desempenhar essa tarefa, então o pretor encarregará o seu porteiro de a executar. Aliás é necessária a companhia doo porteiro do pretor, quando o mordomo ou o saião tiverem de fazer penhoras em casa de cavaleiros (miles). O saião passa a ter um papel secundário, na dependência do mordomo.

Não há ainda qualquer referência aos alvazis. A sua existência, em paralelismo com o que sucedeu em relação aos alcaldes nos forais da linha do de Numão, deve-se à já considerável dimensão destes agregados urbanos, que igualmente fará multiplicar o número de alguns funcionários de outros escalões: porteiros (do pretor, do mordomo), almotacés (grandes, pequenos)... Se já lembrámos que alvazil foi um dos títulos de autoridade usados pelo conde Sesnando, e que, ainda em 1111, é com o nome de alvazil que se designa a autoridade máxima da área a sul do rio Douro, no foral de S. Martinho de Mouros – é provável que um colégio de alvazis já existisse e operasse anteriormente, designados no antigo foral de Santarém (1085), assim como nos diplomas de Coimbra (1111, 1145), na expressão “maiores e menores”; os alvazis seriam os “maiores” da cidade. O foral de Tomar, de 1174, e seus derivados, embora utilize a palavra juiz, refere-se mais do que uma vez a justiças, entidade plural, com jurisdição nas coisas do direito.

Se a eles se não refere, também não é através do foral de 1179 que podemos saber quais eram, em pormenor, as funções dos alvazis. É esclarecedor que, na carta endereçada, por D. Sancho I, em 1199, às autoridades de Lisboa, Santarém e Alenquer, a convocá-las para fazer a demarcação das terras para os colonos francos recém-chegados, se dirija ao pretor, ao almoxarife, aos alvazis e aos outros homens-bons de Lisboa; aos quatro alvazis, e aos restantes homens-bons de Santarém; e ao pretor, ao juiz e aos restantes homens-bons de Alenquer (cujo foral seria outorgado em data posterior): nesta convocatória, os alvazis de Lisboa e Santarém ocupam uma posição correspondente à do juiz de Alenquer.

Sobre a nomeação dos alvazis é também omisso o foral de 1179, e, ao que parece, os munícipes de Lisboa e Santarém, ainda não tinham encontrado a solução adequada. Para os de Coimbra isso não acarretou qualquer dificuldade, uma vez que o problema já estava resolvido na tradição municipal da localidade. Os forais de Santarém e Lisboa necessitaram de uma adenda – sem data no de Santarém, mas com a de 1204 no de Lisboa – para solucionar esse problema, determinando que os alvazis fossem anualmente escolhidos pelo concelho, e, além disso, criando oficialmente o cargo de almotacé e estabelecendo que as duas cidades tivessem almotaçaria e dispusessem dela, como bem entendessem.

Uma adenda, acrescentada a seguir à subscrição de D. Afonso Henriques, nos dois forais de Santarém e Lisboa, contém uma disposição relativa à marinha, que ainda não estaria no pensamento do legislador ao outorgar a primeira versão da carta de foro, determinando que o arrais (alcaide) do navio, dois remadores (spadelarii), dois proeiros (pronarii) e um carpinteiro (petintal) tivessem foro de cavaleiros, matéria cuja inclusão no foral de Coimbra naturalmente não tinha sentido. Uma outra cláusula, estipulando que os peões não podiam ser obrigados a entrar nos navios, contra sua vontade, foi introduzida, ainda em Coimbra, no diploma original da carta de foro de Santarém, a seguir à subscrição afonsina, e, ao contrário das anteriores, só depois outorgada ao município de Lisboa.

Aos adaís, também já mencionados em Coimbra, nas Posturas de 1145, competem funções de índole militar, e por isso estão dispensados do imposto da quinta parte dos esbulhos que fizerem aos mouros (non dent quintam de quiniones suorum corporum). Os adaís eram os chefes militares, a quem competia conduzir as milícias concelhias.

        3. A sociedade.

Todos estes forais determinam que os respectivos cavaleiros (miles) “non teneant zagam in exercitu regis”, isto é, que não sejam colocados na rectaguarda, e (noutro pormenor em que também não podia ser decalcado pelo de Coimbra) o de Santarém acrescenta que os seus militares devem ocupar o lugar da frente: “et teneant delanteira in exercitu regis”, e quem sabe da história de Geraldo sem Pavor não se espanta da coragem destes guerreiros. Por isso é justa a equiparação do seu estatuto judicial aos dos infanções, assim como as isenções fiscais, que, à semelhança do que sucedia em grande número de outros municípios, aqui lhes são concedidas, se prolongam na velhice ou invalidez e se transmitem à sua viúva, a menos que esta se volte a casar com um homem de nível social diferente. Os cavaleiros podem, inclusive, pôr os seus cavalos a fazer transportes remunerados, sem que por isso estejam sujeitos ao foro de almocrevaria, isto é, a pagar impostos. O único imposto que pagam, destinado ao rei (e do qual, já se viu, estão isentos os adaís), recai sobre o aspecto lucrativo da actividade bélica, que lhes é específica: a quinta parte das presas que fizerem em campo, em terra de inimigos, integrados numa companhia (cavalgada) de sessenta ou mais cavaleiros, pertencente ao exército régio. Em destacamentos inferiores, comandados por um chefe local (cavalgada de alcaide), só dariam a este aquilo que bem entendessem, o que sugere a intenção de desencorajar a realização de correrias imprudentes, motivadas pela cupidez das chefias. Tal como outrora havia sido estipulado em relação a Coimbra, o encargo com a manutenção das atalaias é repartido a meias, entre o rei e os cavaleiros, estes com o seu serviço pessoal (suis corporibus). Como inovação, não só se admite a possibilidade de o cavaleiro receber, do rico-homem, benefícios, isto é doações de terras ou bens equivalentes, em princípio como contrapartida dos serviços militares, mas também se estimula esse procedimento, ao contar o beneficiado entre o número dos guerreiros que o rico-homem era obrigado a apresentar no exército do rei.

Estatuto idêntico ao dos cavaleiros é atribuído aos besteiros.

Além dos militares, viviam na cidade e seu alfoz outras categorias de pessoas. Em urbes com a dimensão da Lisboa, da Santarém e da Coimbra de então, já se não podiam excluir ordens ou grupos sociais de dentro dos muros, embora fosse prudente condicionar a sua convivência à observância de um estatuto bem definido, tal como sucedia com os mouros forros. O foral de 1179 determina que as casas que os nobres, as ordens militares, os hospitalários, ou outros mosteiros de religiosos possuam na cidade obedeçam ao mesmo foro geral, tal como os cavaleiros aí moradores. Aos clérigos é mais uma vez atribuído o estatuto fiscal dos cavaleiros.

A maioria dos habitantes seria ainda formada pelo conjunto dos agricultores. Os peões, que trabalhavam a terra por conta própria, pagavam o imposto de jugada: por cada jugo de bois, um moio de trigo ou de milho, ou de ambos, conforme o cereal que cultivassem. Para os cavões, que não tinham gado para o trabalho, mas cavavam toda a terra cultivada, o imposto reduzia-se a uma teiga, mais um quarteiro por cada “jeira de bois” cultivada. Além destes agricultores, havia os que amanhavam as herdades dos cavaleiros, pois o foral determinava que todas as herdades fossem povoadas, e, evidentemente, cultivadas. Apesar da sua dependência em relação ao dono da herdade, não escapavam à obrigação do apelido. Os rendeiros das herdades dos cavaleiros (“parceiros de cavaleiros”), se não tivessem bois, estavam isentos de qualquer imposto.

Além dos agricultores, pelo que respeita ao sector primário da economia, encontramos nos alfozes destes município os caçadores (coelheiros), os pescadores, os marinheiros, os mesteirais (ferreiros, carpinteiros e fazedores de vasos de madeira, sapateiros, peliteiros, fabricantes de telha e de “concas”), as padeiras, os mercadores, e, no decurso ou no termo das suas viagens, os almocreves. Os artesãos trabalhavam em casa própria ou na dos seus patrões (alguns eram escravos mouros), ou, se a não tivessem, nas lojas (tendas), de que era proprietário o rei, pagando, neste caso, a correspondente renda.

 

        4. Economia e fiscalidade.

Estas actividades, em regra, são mencionadas a propósito das obrigações fiscais, e por isso não é possível garantir que a falta de referência à caça grossa, aliás já na tradição dos forais da área mais próxima de Coimbra, signifique a sua não existência, até porque algumas espécies são referidas na tabela das portagens (zebro, cervo), embora tudo leve a crer que não abundasse. Nos mercados locais transaccionavam-se também cavalos, mulas, éguas, asnos, bois e vacas, porcos, cabras e carneiros ou ovelhas; vendia-se pão, vinho, peixe, sal, pimenta, cera, recipientes de barro e de madeira, couros brancos e vermelhos, peles de coelho, vestidos de pele, panos (incluindo o bragal), artigos de tinturaria (anil e grã), além de escravos mouros.

A somar ao trigo, ao milho (painço) e ao vinho, os campos situados neste triângulo de cidades produzem linho, figos, alhos e cebolas e, naturalmente, vários dos outros artigos existentes no mercado.

A comercialização do vinho era condicionada pela norma do relego, segundo a qual ninguém podia vender o seu vinho antes de ser vendido o do rei. Posteriormente virá a ser fixada uma data a partir da qual os particulares poderão vender livremente o próprio vinho, mas esse prazo ainda não figura nos diplomas de 1179.

Os mercadores vindos de fora estavam obrigados ao pagamento das portagens, e os da cidade podiam optar entre as portagens ou a liquidação de uma soldada fixa. As portagens correspondentes à venda de cavalos ou de escravos (mouros) eram pagas no lugar onde a transacção se fizesse.

Segundo uma disposição do antigo foral de Coimbra, os almocreves davam, como contributo, o serviço que faziam uma vez por ano. Quem tivesse pescado para vender pagava um imposto fixo por cada carga (em besta ou em barco); mas, além disso, segundo uma norma já introduzida em Coimbra em 1145, pagava iudicato e alcavala (as Posturas coimbrãs mandavam pagar ao juiz e ao almotacé uma dinheirada de peixe e de carne, como corresse na cidade, imposto correspondente à intervenção dessas autoridades na fixação dos preços de venda). Idêntico imposto, com nome diverso mas equivalente, alcaidaria, era pago pelos peixeiros vindos de fora com barcas ou cavalgaduras carregadas de pescado. E não era este o único imposto que recaía sobre o peixe.

Não se paga “lutuosa” e esclarece-se também que estão isentos de portagens os géneros – pão, vinho, figos, azeite – produzidos fora do concelho, em herdades pertencentes aos moradores, e que estes levarem para seu próprio consumo e não para venda.

PORTAGENS
       

TAXA ARTIGOS

1 morabitino  escravo (mouro ou moura)

1      »        cavalo de valor superior a 10 morabitinos

1      »        carga de panos

1      »        carga de couros vermelhos ou brancos

1      »        carga de peles de coelhos

1      »        carga de anil

1      »        carga de grã

1      »        carga de pimenta

1/2      »        carga de azeite

1/2      »        carga de cera

1/2      »        carga de couros de boi, cervo, zebro

1/2      »        cavalo de valor inferior a 10 morabitinos

2  soldos     égua

2      »        boi

1      »        vaca, asno, asna

6 dinheiros   pescado – carga levada para o exterior do concelho,
por homem de fora

3      »        pão ou sal – carga de cavalo ou mula

3      »        vestido de peles

2      »        bragal

2      »        porco

2      »        carneiro

1      »        cabrão ou cabra

3 mealhas     pão ou sal – carga de asno

1/10 do valor pescado vindo de fora

»      »      »   linho

»      »      »   cebolas

»      »      »   alhos
 

OUTROS IMPOSTOS

ARTIGO/ACTIVIDADE     

 TAXA                            

Agricultura:          

 

cereais:            

 

por jugo de bois 

 1 moio de trigo, de milho ou misto

 

 (conforme o cereal cultivado)

cavões – geral   

 1 teiga de trigo ou de milho

 – por geira

 1 quarteiro de trigo ou de milho

linho               

 1/8

Vinho  (produção)    

 1/8

(pela venda)  

 1 almude

Caça:                 

 

coelheiros da terra:

 

pela permanência  

 

na “sogeira”    

 1 fole de coelho

por mais de 8 dias

 1 coelho, com a sua pele

coelheiros de fora: 

 1/10 da caça

Padeiras              

 1/30 dos pães

Pescadores:           

 1/10 do peixe pescado

Madeira, transportada 

 

por rio:     

 1/8

Artesãos:             

 

fabricantes de telha

 1/10

fabricantes de concas

 

e vasos de madeira

 1/10

Almocreves:           

 1 serviço por ano

Comércio:             

 

vaca                

 1 dinheiro

zebro               

 1      »

cervo               

 1      »

porco               

 1      »

carneiro            

 1      »

Judicato (moradores)   

 1      »

Alcavala        »        

 3 dinheiros

Alcaidaria (estranhos) 

 2 dinheiros

 

          5. A justiça.

Não abundam no foral as normas de procedimento jurídico, o que, aliás, já sabemos característico dos forais da área Coimbra, e adequado à realidade de cidades como a do Mondego, Lisboa e Santarém, onde através dos tempos se terá mantido sempre uma tradição jurídica de certo nível, cuja falta outras localidades colmataram pedindo aos concelhos destes municípios que lhes comunicassem os seus costumes. Verificamos também que os municípios de Santarém e Lisboa tiveram de lutar para ver reconhecidos certos princípios que já eram prática corrente em Coimbra e noutras áreas, e que naturalmente corriam maior risco de serem desrespeitados em cidades com menor tradição democrática e maior número de funcionários locais ou ao serviço da própria corte.

A mesma adenda que, em 1204, determinava como seriam escolhidos os alvazis, providencia em relação a outros problemas, para que os moradores de Santarém e Lisboa não tinham ainda resposta:

– extorsões: que o pretor da vila ou dos navios, os alcaides ou os alvazis ou outros não exijam à força, a ninguém, vinho, pão, pescado ou carnes;

– julgamento: se alguém cometesse algum delito, o mordomo, ou outro funcionário, não podia penhorar ninguém e muito menos sair a prender ou a reclamar pagamentos de coimas (a roubar, diz textualmente o documento), mas devia convocar, através do porteiro do pretor, aqueles que achasse justo, para serem julgados e cumprirem depois a sentença do pretor e alvazis;

– penhoras: nenhuma outra pessoa, por sua iniciativa, podia fazer penhoras, senão o mordomo ou o porteiro do pretor, sob pena de restituir a dobrar;

– limite de responsabilidade: o pai não respondia pelos delitos do filho, e este, se não tivesse bens, sanaria o mal feito “per corpus suum” (castigo físico, previsto nas posturas de 1145, e noutros diplomas).

Em 1206, D. Sancho publicava uma carta destinada especialmente aos moradores da alcáçova de Lisboa, na qual enaltecia o serviço que todos eles, cavaleiros, peões ou clérigos, lhe prestavam, dia e noite, e os dispensava, por isso mesmo, de outras obrigações militares, especialmente de ir na hoste do rei ou de participar na adua, isto é de se incorporarem no exército ou de trabalhar em obras de fortificação. Quanto ao resto, continuaria a aplicar-se-lhes naturalmente a carta de foro de Lisboa. Apesar de tudo, o rei, correspondendo provavelmente à petição que lhe foi dirigida, visando particularmente o vedor da fazenda régia, insiste na proibição de que este lhes faça penhoras, e de que estas nunca sejam de coisas existentes no interior das suas casas, quando fora houver bens suficientes. A competência para ordenar penhoras era, além disso, exclusiva do alcaide e alvazis – anote-se a referência –, o que confirma as observações que já fizemos a respeito das suas funções.

          Quanto ao destino das coimas, apenas em relação aos delitos cometidos pelos dependentes dentro das herdades, se estabelece que metade pertence ao rei e metade ao respectivo dono. Um destes artigos, relativo aos furtos cometidos dentro das herdades, falta também no foral de Coimbra.

DELITOS E COIMAS

COIMA              

 DELITO                            

500 soldos          

 homicídio

500                

 rouso

500                

 violação do domicílio

500                

 ferir com as esporas*

250   “ (½ da coima  de homicídio)

 ferir em praça pública, com armas

60                

 homicídio fora do couto

60                

 homicídio dentro das herdades

60                 

 lançamento de esterco ao rosto

60                

 puxar de arma com ira, mesmo sem ferir

30                

 agressão com vara ou porra, por ira, na sequência de rixa

30                

 ferir fora do couto

1 morabitino      

 assassínio do violador do domicílio ocorrido na mesma altura

1/2                

 ferir o violador do domicílio

5                

 desrespeito do relego, até 2 vezes; (nas seguintes solta-se o vinho e cortam-se os arcos das cubas)

9 vezes o valor   

 furto

* adenda, após a subscrição de D. Afonso Henriques, introduzida apenas nos forais de Santarém e Lisboa.

 

          5. Fortuna dos forais de 1179

          Os forais outorgados segundo o formulário de Lisboa-Santarém-Coimbra, de 1179, atingiram uma expansão menor que os que adoptaram o modelo de Évora. Não obstante a maior importância e autonomia que reconhecem às instituições municipais de cada localidade, em contraste com a maior dependência do poder central ou senhorial dos municípios ordenados segundo o paradigma eborense, a menor popularidade, digamos assim, da carta de 1179 dever-se-á ao maior peso da carga fiscal que onerava os moradores. Com efeito, não só é maior o elenco das actividades e artigos taxados (agricultura, caça, pesca, mesteres, comércio, transportes, etc.) – praticamente inexistente em Évora, onde só havia a quinta das presas feitas aos sarracenos e a tabela das portagens, como também, em relação a esta última, as taxas eram mais elevadas, o mesmo acontecendo em relação à lista das coimas. Isto não quer dizer que, em alguns casos, ao texto do foral de Évora os outorgantes não acrescentassem uma especificação de mais alguns impostos.

MAPA GENEALOGICO DOS FORAIS QUE,  ATÉ 1277,  TOMARAM
POR MODELO OS DE COIMBRA, SANTARÉM E LISBOA, DE 1179

* Os forais de Pontével e Aveiras remetem para o de Santarém em assuntos 
de natureza penal.

 Os factos que acabamos de observar não obstaram, no entanto, a que o foral de 1179 tivesse uma difusão significativa. Esta difusão deu-se em três áreas geográficas, duas das quais com certa vizinhança, mas ambas afastadas daquela onde o modelo inicial foi elaborado.

Uma primeira área, que corresponde ao litoral centro do país, vai desde Montemor-o-Velho até Almada, e nela se situam as três cidades, a que inicialmente a carta foi destinada: Coimbra, Santarém e Lisboa. Uma outra área corresponde “grosso modo” ao sul e sudoeste alentejano. Finalmente, uma terceira área, contígua a esta, é a do Algarve.

A expansão do foral verificou-se inicialmente a partir dos três primeiros centros. Sob este aspecto, e devido à actividade povoadora que a região já conhecera anteriormente, a cidade que exerceu menos influência foi a de Coimbra: na sua órbita, apenas Leiria, em 1195, e Montemor-o-Velho, em 1212, receberam um foral segundo o modelo de 1179, acrescentando-se-lhe talvez o de Alenquer, devido às circunstâncias em que foi outorgado: em Montemor-o-Velho, e na mesma data, Maio de 1212.

Os forais de Pontével, em 1194, e de Aveiras, em 1207, remetem, no que respeita ao foro penal, para o da vizinha cidade de Santarém, que também serviu de norma ao que o abade de Alcobaça outorgou, em 1210, aos moradores no couto do mosteiro, e ao que Estêvão Martins concedeu a Aguiar (em Viana do Alentejo), em 1269. Mas a maior difusão obtida por esta via deu-se a partir da outorga do foral de Santarém a Beja, em 1254. O foral de Beja ia servir de paradigma aos de Odemira, em 1256, de Monforte, em 1257, de Beringel, em 1262, de Monsaraz, em data desconhecida mas reproduzido pelo de Vila Viçosa, em 1270, e ao de Évora Monte, em 1271.

O foral de Lisboa terá servido de modelo aos de Almada, em 1190, Povos, em 1195, e Vila Franca de Xira, em 1212. Tendo influenciado parcialmente o de Mértola, em 1254 (“damos a vos foro e costume d’Évora por terra, e de Lixbooa pelo riio e pello mar”, diz-se no preâmbulo), com a sua outorga a Silves, em 1266, torna-se, através desta cidade, o paradigma dos forais algarvios: Faro, Tavira, Loulé, todos sem data, mas provavelmente anteriores ou muito próximos do de Castro Marim, outorgado em 1277.