UM ESPAÇO DIFERENTE
Assiste-se, no território correspondente ao actual distrito de Vila Real, sobretudo na parte sul, desde meados do século XII, e, em ritmo crescente, a partir da última década do século, a uma intensa actividade de colonização agrária, que, no que respeita ao lado jurídico, se reflecte na outorga de diversas cartas de foro. Este movimento expandir-se-á em direcção ao norte, onde se incrementa de um modo especial na segunda metade do século XIII e primeira metade do século XIV, traduzindo-se na outorga de numerosas cartas de foro, sobretudo nos reinados de D. Afonso III e de D. Dinis, feita pelos monarcas, mas também por outras entidades, e ainda no apropriamento abusivo e anárquico de terras, de que em primeira mão nos dão testemunho as Inquirições ordenadas por D. Afonso III. Este período ultrapassa, porém, o âmbito cronológico do presente estudo.
O estudo das cartas de foro desta região tem deixado alguns estudiosos muito perplexos, por causa da relativa profusão de cartas, entre as quais nem sempre é fácil distinguir as que se devem considerar meros diplomas de aforamento, das que, de algum modo, têm repercussões sobre o estatuto jurídico administrativo da comunidade a que dizem respeito. Por outro lado, acontece que algumas cartas, omitindo referências a certas estruturas administrativas, ou mostrando diferenças em relação a elas, apresentam outros aspectos em que são coincidentes. Por isso mesmo, pareceu-nos útil o estudo comparativo das instituições locais.
1. Destinatários
A maioria destas cartas de foro dirige-se a um determinado número de povoadores, em vários casos até especificados por nome. O seu número varia, desde um até aos quarenta, em relação às localidades citadas no presente capítulo, e está em correlação, naturalmente, com as dimensões e aptidões agrícolas das terras. Em dois casos, em vez dos povoadores, refere-se o número de courelas existentes e distribuídas ou a distribuir pelos colonos. Estas especificações têm a ver com a parte fiscal, ou, melhor dito, com o pagamento dos foros ou rendas correspondentes às terras entregues, destinando-se a fixar o número de unidades tributárias, independentemente da possibilidade de variar o número dos habitantes e, por conseguinte, dos cultivadores. Só num dos casos se mencionam ao mesmo tempo o número de courelas e de povoadores: em Covelinas, para dezasseis courelas há quatro povoadores. Em Guiães os povoadores iniciais foram três, mas o diploma destina a “vila” a catorze homens.
Apenas em três circunstâncias se não menciona o número dos povoadores: Espinho de Panóias, Ermelo-Bilhó e Andrães.
A carta de Espinho, hoje lugar da freguesia de S. Miguel de Lobrigos (concelho de Santa Marta de Penaguião), é de todas a mais antiga, e, além disso, a não referência ao número de colonos explica-se pelo facto de El-Rei dar a herdade a um grupo preexistente, cujos tributos seriam pagos em regime de jugada, e, por conseguinte, em relação com o número de juntas de gado exigidas para o trabalho, que é como quem diz com a dimensão das terras cultivadas.
Ermelo e Bilhó, duas localidades que ocupariam o território correspondente a grande parte do actual concelho de Mondim de Basto (de que hoje são as duas mais extensas freguesias), não se evidenciavam como povoações agrícolas, mas como comunidades de ferreiros, cujos tributos eram pagos em artigos produzidos nesse mester: seis ferros e uma “saraginem” (uma fechadura, segundo parece).
Embora os moradores de Andrães, hoje freguesia do concelho de Vila Real, também paguem foro em géneros agrícolas, a sua actividade não se limitava aos campos, nem, por conseguinte o número de moradores que aí se podiam manter se regulava pela extensão destes, pois na localidade também se trabalha o ferro, e a partir dos utensílios com ele produzidos se desenvolvem actividades comerciais, de modo que o rei fixa em um morabitino o tributo a pagar anualmente “pro ferros de fogo et pro totas portagines”.
Salvo,
por conseguinte, o caso, mais arcaico, de Espinho, nestas duas localidades não
se menciona o número dos povoadores, por se tratar de populações cuja
actividade não era fundamental ou exclusivamente agrícola.
2. A organização local
Os dados contidos nas cartas de foro deste grupo não fornecem dados muito abundantes, mas talvez disponibilizem os suficientes para nos elucidar sobre o modo como estavam administrativa e judicialmente organizadas estas comunidades.
O outorgante, na maioria dos casos o rei (dos casos tratados neste capítulo, exceptuam-se Covelinas, Gache, outorgados por particulares; Justes e Torre, outorgados pelo abade do mosteiro de Pombeiro; e Covas, em que intervêm particulares e o abade do referido mosteiro), depois desse acto, como senhor, não interfere ordinariamente na vida local, e é normalmente através de um seu vassalo, “vicario”, mordomo, porteiro ou “vozeiro”, que recebe os tributos e as coimas, que os representantes destas comunidades lhes entregam.
Em mais de metade das cartas estudadas fazem-se referências ao concelho, em contexto onde por regra se trata de assuntos de justiça; nos mesmos diplomas, ou noutros onde não se faz explícita alusão ao concelho (no total, em dezanove), mencionam-se várias vezes, os homens-bons, a quem compete fazer a “inquisitionem” ou “inquisa” na ocorrência de crimes maiores, que na maioria dos casos são os únicos que implicam o pagamento de coima, imposta logo após essa inquirição dos factos, que naturalmente incluía também um juízo sobre a imputabilidade do acto delituoso. Não podia, é claro, haver concelho em Veobou, ou Valbom, aforado inicialmente a um só titular, e Gache parece integrada no concelho de S. Lourenço (de Ribapinhão). De todas as cartas estudadas, apenas em três casos (S. Cipriano, Andrães e Torre) se não encontra referência nem ao concelho, nem aos homens-bons (nem sequer a um mordomo local): pode efectivamente dizer-se que se trata de três simples cartas de aforamento, que nada contêm sobre o estatuto jurídico dos moradores, e por isso mesmo não podemos incluir na categoria dos municípios as localidades correspondentes (e Veobou, refira-se, é também um anexo de Fontes).
Em diversas destas cartas se trata do mordomo. É preciso distinguir entre duas qualidades de mordomos: o do concelho ou da vila e o do rei. Não há procedimento uniforme, mas umas vezes estabelece-se claramente que o mordomo seja do concelho (Covas, Fontes, Favaios), seja posto pelos vizinhos (Celeirós, Canedo, Covelinas, Carvelas), seja um deles, ou simplesmente fala-se no mordomo do concelho ou da vila (Rualde, Sabrosa, Ceides), no “seu mordomo” (Guiães): ao todo, há pelo menos onze diplomas com nítidas referências deste género. Acrescente-se que, no castelo de S. Cristóvão (S. Tomé do Castelo), compete aos moradores escolher “servicialis et vicarius”: serviçal é o outro nome que por vezes se dá ao mordomo. Apenas em Ermelo/Bilhó se admite que entre o mordomo do rei ou o do seu vassalo, e somente para arrecadar as coimas devidas pelos três crimes maiores. Em Godim, não se vê claro se o mordomo é do rei ou do concelho. Em Souto [de Escarão], ao mordomo ou ao porteiro régio é expressamente vedado fazer penhoras, e em Souto Maior podem mesmo “dar em cima” deles. Em Souto de Telões diz-se simplesmente “nunquam habeatis maiordomum super vos”. Em três cartas chama-se-lhe “vicarius” ou vigário.
Em casos excepcionais, quando o mordomo ou o concelho não conseguissem resolver os problemas locais de índole contenciosa ou criminal, ou as suas decisões não fossem acatadas, seria necessário recorrer a uma autoridade superior, cujas determinações fossem universalmente acatadas: o juiz. Se, porém, em algumas destas localidades se fala claramente de um juiz próprio, a maior parte delas limita-se a vagas referências ou nem ao juiz se refere.
A única carta que não deixa lugar para dúvidas é a de Fontes, Taboadelo e Cristelo, aliás a maior de todas estas comunidades de povoadores (quarenta), pois estabelece que os moradores “inter se habeant iudicem”; anexo ficar-lhe-ia Veobou, doado inicialmente a um só povoador, cujo diploma determina : “sit iudex in ipsa villa qui fuerit in Fontes”. Obscuras são as disposições do foral de Celeirós, que fala da “iusticiam de concilio”, e um pouco menos as do foral de Covas, geograficamente vizinho e cronologicamente próximo do anterior, endereçado a vinte povoadores, que estipula: “alias calumnias quas inter se habuerint iudicent illas III homines de concilio (...) et illi qui dederit iusticias de uno ad alium in unoquoque anno non det nulla renda, et ille homo sedeat de concilio”.
Alguns outros diplomas se referem ao juiz, mas tudo leva a crer que não se trata de um juiz exclusivo para a localidade, mas sim de um magistrado com funções que abrangem toda uma vasta circunscrição ou terra. Esta característica ressalta em primeiro lugar do modo como algumas das mencionadas cartas de foro se referem ao juiz, em contraste com o modo como se referem a outras entidades, designadamente ao mordomo: assim, em Canedo fala-se do “maiordomo de vestra vila” e do “iudex terre”; em Rualde, alude-se, no texto, ao “maiordomo de concilio” e, entre os confirmantes ou testemunhas, como já sucedia no anterior, encontra-se o “juiz da terra”. Ao tratar do aforamento de S. Cipriano, ou S. Cibrão (para os lados de S. Martinho de Antas, no actual concelho de Sabrosa), El-Rei dirige-se a Gonçalo Corou, seu juiz de Panóias, dizendo “rogo-vos qui teneatis istos homines a derectu”. Era de facto do juiz da terra de Panóias que dependia a maior parte destas comunidades de povoadores.
Quando Aguiar de Pena receber um foral unificador, segundo o modelo chamado de Salamanca, em 1220, as poucas aldeias já estabelecidas na região central do actual distrito de Vila Real, e muitas outras que no decorrer dos séculos XIII e XIV aí se instalarão, ficarão a depender das suas instâncias judiciais. Para já, essa competência pertence exclusivamente ao juiz da terra de Panóias. Compreende-se também a razão por que a partir de determinada altura todas as cartas de foro outorgadas localmente passam a ser assinadas também pelo juiz da terra.
A carta de Fonte de Muliere, de 1206, é outorgada, sendo “Iudice Gomez Fernandiz”; na de Rualde, em 1208, é confirmante “Iudex terre Fernandinus”; a que terra se refere, esclarece o diploma outorgado aos povoadores de Andrães: “Iudice existente de Panóias Fernandino”; o mesmo juiz Fernandino volta a aparecer nas cartas destinadas a Gache, Campo (de Jales), Justes e Torre; com o nome abreviado (“F.”), confirma ainda os foros de Carvelas e Canedo. Um outro diploma, sem data, cujos intervenientes nos levam a situá-lo entre 1189 e 1209, o do Castelo de S. Cristóvão (actual freguesia de S. Tomé do Castelo), foi outorgado, sendo “iudice Martinus Gomizo”: os dados atrás registados fazem antecipar a data para antes de 1208 e, possivelmente, para antes de 1205, uma vez que, nessa altura era já outro o juiz.
*
O
facto de a quase totalidade destas povoações depender, só em momentos
excepcionais, do mesmo juiz da terra de Panóias, não lhes retira a autonomia de
que gozam os respectivos concelhos.
CARTAS DE FORO DO DISTRITO DE VILA REAL, ATÉ 1223
Data |
Localidade |
Outorgante |
Coure-las |
Povoa-dores |
Ref. ao concº |
Ref. aos homens– -bons |
Mor-domo próprio |
Juiz |
1144 |
Espinho de Panóias |
Rei |
– |
– |
– |
S |
– |
– |
1160 |
Celeirós |
Rei |
8 |
– |
S |
S |
S |
? |
1162 |
Covas |
Part./Most. |
– |
20 |
S |
S |
S |
(S) |
1195 |
Covelinas |
Part. |
16 |
4 |
S |
– |
S |
– |
1196 |
Ermelo e Bilhó |
Rei |
– |
– |
– |
S |
– |
– |
1196 |
Sabrosa |
Rei |
– |
10 |
– |
S |
S |
– |
1196 |
Souto [de Escarão] |
Rei |
4 |
– |
S |
S |
S |
– |
1196 |
Souto Maior |
Rei |
– |
12 |
– |
S |
S |
– |
1200 |
Abaças |
Rei |
– |
11 |
– |
–1 |
–2 |
– |
1202 |
Guiães |
Rei |
– |
13 |
– |
–1 |
–2 |
– |
1202 |
Sª Marta e Biduído |
Rei |
– |
7 |
S |
S |
– |
– |
1202 |
Fontes, Tab.º e Cr,º |
Rei |
– |
40 |
S |
S |
S |
Próprio |
1203 |
Veobou |
Rei |
– |
1 |
S |
– |
–3 |
Próprio |
1205a. |
Cast.de S.Cristóv. |
Rei |
– |
16 |
S |
– |
S |
M.G. |
1205 |
S. Cipriano |
Rei |
– |
12 |
– |
– |
– |
G.C. |
1206 |
Fonte de Muliere |
Rei |
– |
5 |
– |
S |
– |
G.F. |
1207 |
Souto (de Telões) |
Rei |
– |
3 |
– |
S |
– |
– |
1208 |
Rualde |
Rei |
– |
30 |
S |
S |
S |
F.o |
1208 |
Andrães |
Rei |
– |
– |
– |
– |
– |
F.o |
1209 |
Gache |
Part. |
– |
6 |
S |
S |
S4 |
F.o |
1210 |
Godim |
Rei |
– |
5 |
S |
– |
– |
– |
1211 |
Favaios |
Rei |
– |
12 |
– |
S |
S |
– |
1212 |
Canedo |
Rei |
– |
5 |
S |
S |
S |
F. |
1213 |
Campo (de Jales) |
Part./Rei |
– |
10 |
S |
S |
– |
F.o |
1217 |
Ceides |
Rei |
– |
6 |
– |
– |
S |
– |
1217 |
Vila Chã |
Rei |
– |
6 |
– |
S |
S5 |
– |
1222 |
Justes |
Most.º |
– |
9 |
S |
S |
– |
F.o |
1223 |
Torre |
Most.º |
– |
3 |
– |
– |
– |
F.o |
1223a. |
Carvelas |
Rei |
– |
– |
– |
S |
S |
F. |
Most. = Mosteiro de Pombeiro Part. = Particular S = Sim F.o = Fernandino
1 A “inquisa de veritate”, referida no diploma, naturalmente só poderia ser levada a cabo pelos homens-bons do concelho.
2 No texto da
carta de Abaças, menciona-se o “vicarius”, mas este é um dos moradores, o que
torna equivalentes as suas funções às do mordomo.
Na de Guiães, antes de uma alusão “suo maiordomo”, diz-se “vicarius qui tenuerit villam non det nullam rendam de se ipso anno”, o que corrobora a observação anterior.
3 A referência ao mordomo, em Veobou, faz-se em termos genéricos: “sit de ipsa villa quod det istum directum de foro ipsius ville”.
4 Não é citado o mordomo, mas dos seis moradores apenas cinco pagam foro em cada ano. A explicação, que se deduz do estudo comparativo dos outros diplomas, é de que um deles exercia as funções de mordomo.
5 O mordomo é designado com o nome de vigário: “et ponatis vicarium inter vos per quem vos et nos habeamus directum”.
Os moradores apenas com o rei participarão em apelido, hoste ou fossado, e só para ele farão via ou carreira, mas, em regra, de modo a poderem voltar a casa no mesmo dia (apenas se vier mouro, restringe o de Covelinas), se não tiverem outro dever equivalente, como os de S. Cristóvão, que se encarregam de guardar o castelo.
Não são autorizadas a pousar e, em certos casos, nem sequer a passar os limites do termo, as autoridades exteriores, mesmo aquelas a quem os moradores pagam tributos, ou os que em seu nome os têm de arrecadar, limitando-se, na maior parte das vezes, a recebê-los no lugar previamente estabelecido para o efeito.
O único senhor cujo domínio é universalmente aceite é o do rei (salvo, naturalmente, nas localidades onde a carta foi outorgada por entidades particulares ou eclesiásticas). No diploma de Souto de Telões diz-se claramente que o vassalo régio, a quem foi dada a tenência da terra “super vos”, nunca aí pouse. Em Canedo, e em Vila Chã, não entram senhor, “princeps terre”, prestameiro, mordomo, porteiro ou vigário régio. Se vier um mordomo estranho, deitem-no fora, diz a carta de Favaios; se lhe baterem e o ferirem, nunca pagarão de coima mais de uma galinha, garante-se em Ceides e Carvelas, mesmo se o matarem, diz-se em Covelinas. E em Vila Chã aplicar-se-lhe-á a multa de quinhentos soldos. Aliás, na maioria das cartas estabelece-se uma pesada sanção para quem as desrespeitar, que é o mesmo que desrespeitar o estatuto por elas criado, ou violar os limites do respectivo termo: além da reparação dos danos causados, sempre a dobrar, as coimas ultrapassam quase sempre os cinquenta moios ou os cinquenta soldos e, em alguns casos, na segunda década do século XIII, atingem mesmo os seis mil soldos.
3. A justiça
A administração da justiça estava muito simplificada na área destes pequenos municípios. Para os pequenos delitos e para os passageiros desentendimentos entre os moradores, não estava prevista qualquer penalidade. Aguardava-se naturalmente que o bom senso, com o andar do tempo, fosse dando remédio a todas as quezílias e prevalecesse o bom entendimento. Mas se tal não acontecesse, lá estava o concelho para chamar ao bom caminho os prevaricadores.
Em metade destes municípios (e em todos os da área sudeste da terra de Panóias) há uma instituição muito interessante, a fiança ou “fiadoria”, que era uma caução, dada pelos vizinhos, como garantia de cumprimento das disposições do concelho. Se o vizinho não obedecesse, no mínimo perdia o valor que tinha dado em fiança. Em Espinho, o foral mais antigo, a fiadoria é de um “lenzo”, no de Celeirós de um bragal, e no de Covelinas de meio bragal, mas, a partir do de Sabrosa (1196), torna-se usual fixá-la em uma cera. Cera foi um dos nomes com que na Idade Média se designou o catedrático, censo anual que as igrejas locais deviam pagar ao seu bispo; como muitas vezes este tributo se destinava à cera que ardia nas catedrais, e, por isso chegou mesmo a ser pago em cera, daí o ter-se-lhe dado também este nome; a quantidade de cera com que se devia pagar este direito episcopal é fixada em documentos medievais em três arráteis e meio ou três arráteis e uma quarta; a fiança de uma cera a dar pelos moradores destas localidades deveria corresponder a esse valor.
Quem não se submetesse aos ditames do concelho perdia a “cera” que tinha dado como fiança. Era um modo de garantir o cumprimento do direito e a boa paz interna da comunidade. Infelizmente, a experiência demonstra que nem sempre os homens são capazes de reconhecer os próprios erros e se tornam reincidentes e contumazes. A esses era necessário separá-los do corpo social, como órgãos portadores de doença incómoda, se não contagiante, e de facto muitas destas cartas estipulam que o morador que não quiser responder, fazer ou “dar direito”, ou corrigir-se, perca os seus bens, seja “desvizinado” e expulso da comunidade.
Só para os três crimes maiores está ordinariamente estipulada a correspondente coima: homicídio, rouso e furto, a que, no foral de Souto de Escarão, se acrescenta o “sterco in boca”, mencionada em tantos diplomas de outras áreas. Estas e outras disposições penais não aparecem nas cartas das três localidades acima excluídas da categoria de municípios.
As penalidades são fixadas numas cartas em moios e noutras em morabitinos, sendo, tal como sucede noutras áreas do país, quase sempre iguais as aplicadas ao homicídio e ao rouso, variando entre vinte e cem moios, entre cinco e vinte morabitinos; em alguns casos não se registam os quantitativos, supondo talvez a existência de um tabela de uso mais geral. Em Sabrosa é mais pesada a coima aplicada ao homicídio do que a aplicada ao rouso (cinquenta e trinta moios, respectivamente), e em Campo de Jales fixa-se em géneros diferentes (trinta bragais para o homicídio, cinco morabitinos para o rouso). Em Fontes remete-se para o costume de Baldigem, mas em Baldigem manda-se apenas seguir o uso de Lamego. Em geral, o produto destas coimas reparte-se a meio, entre o concelho e o palácio ou o respectivo senhor (há várias omissões e, excepcionalmente, em Canedo, um sétimo destina-se ao palácio e o resto é todo canalizado para o concelho).
Em relação ao furto, há dois critérios diferentes: num pequeno grupo de localidades, o ladrão “qualem furtum fecerit talem pectet”; nas outras determina-se que a pena corresponda a nove vezes o valor roubado, especificando-se, de um modo geral, que o dobro do valor furtado vai para o lesado e o restante reverte a favor do palácio.
Ninguém
era obrigado a responder nem o concelho podia proceder à aplicação destas
penalidades, sem correr antes um processo de averiguação destinado a obter a
prova testemunhal dos factos. Em regra, não se é obrigado a responder “de
apostilia”, isto é, a uma acusação que não pudesse ser comprovada
testemunhalmente com dados incontestáveis. Exige-se a inquirição (inquisitio,
inquisa) feita pelos homens-bons do município. A carta de Rualde diz até:
“non respondeatis sine testimonio bonorum hominum”.
JUSTIÇA NO DISTRITO DE VILA REAL, ATÉ 1223
DATA |
LOCALIDADE |
HOMICÍDIO |
ROUSO |
FURTO |
FIANÇA |
E |
SANÇÃO |
|
|
1 |
|
2 |
3 |
4 |
5 |
1144 |
Espinho de Panóias |
60 m. |
60 m. |
ind. |
lenço |
- |
– |
1160 |
Celeirós |
10 M. |
10 M. |
ind. |
bragal |
- |
1000 |
1162 |
Covas |
ind. |
ind. |
ind. |
1 cera |
|
x2 |
1195 |
Covelinas |
30 m. |
30 m. |
½ ½ |
½ br. |
S |
5000 |
1196 |
Ermelo e Bilhó |
ind. |
ind. |
ind. |
– |
- |
– |
1196 |
Sabrosa |
50 m. |
30 m. |
2x 7x |
1 cera |
|
500 |
1196 |
Souto [de Escarão] |
40 m. |
40 m. |
q.f. |
1 cera |
- |
50 m |
1196 |
Souto Maior |
20 m. |
20 m. |
q.f. |
1 cera |
- |
500 |
1200 |
Abaças |
ind. |
ind. |
2x 7x |
1 cera |
- |
500 |
1202 |
Guiães |
100 m. |
30 m. |
2x 7x |
1 cera |
S |
500 |
1202 |
S.ª Marta e Biduído |
10 M. |
10 M. |
9x:½,½ |
– |
- |
– |
1202 |
Fontes, Tab.º e Crast.º |
ind. |
ind. |
ind. |
– |
- |
6000 |
1203 |
Veobou |
ind. |
ind. |
ind. |
– |
- |
– |
1205a. |
Cast. de S. Cristóvão |
20 m. |
20 m. |
2x 7x |
– |
|
60 m |
1205 |
S. Cipriano |
– |
– |
– |
– |
- |
– |
1206 |
Fonte de Muliere |
ind. |
ind. |
ind. |
– |
- |
– |
1207 |
Souto (de Telões) |
10 M. |
10 m. |
9x |
– |
- |
– |
1208 |
Rualde |
20 M. |
20 M. |
2x 7x |
1 cera |
S |
– |
1208 |
Andrães |
– |
– |
– |
– |
- |
– |
1209 |
Gache |
100 m. |
100 m |
q.f. |
– |
- |
10 |
1210 |
Godim |
50 m. |
50 m. |
50 m. |
– |
- |
6000 |
1211 |
Favaios |
20 m. |
20 m. |
9x |
1 cera |
- |
500 |
1212 |
Canedo |
10 M. |
10 M. |
q.f. |
1 li.c. |
S |
6000 |
1213 |
Campo (de Jales) |
30 br. |
5 M. |
q.f. |
– |
- |
1000 |
1217 |
Ceides |
10 M. |
10 M. |
q.f. |
5 sold. |
- |
– |
1217 |
Vila Chã |
15 M. |
15 M. |
2x+q.f |
– |
- |
500 |
1222 |
Justes |
20 M. |
20 M. |
2x 7x |
– |
- |
1000 |
1223 |
Torre |
– |
– |
– |
– |
- |
1000 |
1223a. |
Carvelas |
ind. |
ind. |
q.f. |
1 cera |
S |
1000 |
M. = morabitinos m. = moios ind. = valor não discriminado
br. = bragais
q.f. = valor igual ao do furto
2 x = duas vezes o valor do furto (reverte a favor do lesado)
7 x = sete vezes o valor do furto (reverte a favor do palácio)
1 – Homicídio: em Souto Maior, pelo homicídio do mordomo, pagam-se 40 moios.
2 – Furto: em S.ª Marta e Biduído, da coima aplicada ao furto, metade reverte a favor do concelho.
3 – Fiança: em Canedo, o seu valor é de uma libra de cera.
4 – E = Expulsão do município; S = Sim.
5 – Sanção: a
pena, aplicável à violação do estatuto criado pelo foral, é em regra fixada em
soldos, com excepção de Castelo de S. Cristóvão, onde é em moios; além disso,
impõe-se a obrigação de restituir a dobrar os danos causados ou o valor da
herdade que se pretendeu usurpar. Em Campo de Jales aplica-se, a quem entrar na
vila por mal, a coima de 500 soldos, e em Gache, de 10 moios. Em Souto de Escarão,
homem “qui ibi intraverit montar” e os moradores prenderem, paga 10 moios, a
repartir entre o concelho e o palácio.
Em Abaças e Guiães (duas cartas muito semelhantes), diz-se, em dada altura: “qui hominem occiderit et se salvare voluerit, det fiador in tercia de callunia et salvet se”. Não é claro o significado desta determinação, mas estabelecendo a comparação com o que se diz em relação ao furto (deve pagar a coima “si se salvare non poterit”, isto é, se o conseguirem incriminar com provas de facto) e ao rouso (“si habuerit inquisa de veritate, dá-lo”, isto é, paga a coima), é provável que essa disposição signifique que, apresentando fiador, o cumprimento da pena é suspenso até se chegar a uma decisão definitiva dos órgãos da justiça. No mesmo sentido é de entender a disposição mais geral da carta de foro de Sabrosa: “de istas tres calupnias si se quesierit salvare det fiador in tercia de calupnia et salvar se”. Esta explicação é confirmada pelo foral de Canedo.
Apurados os factos e a responsabilidade, pagava-se ao mordomo a respectiva coima, ou apresentava-se a fiança, que condicionava o recurso ao juiz da terra de Panóias: “de istas tres callumnias non respondatis nisi per inquisicionem bonorum hominum de Canedo et istas callumpnias se as demandaverint ad vos sedeant infiadas per maiordomo de ipsa vestra villa et non per alius qui veniantis facere directum ante iudex terre; et a fiadoria sit I libra de cera et postquam istud fuerit infiado ante iudice ad tercia die veniatis responder a directo”.
As
justiças estranhas não podiam entrar na área dos municípios. Em pelo menos dois
diplomas (Covelinas e Castelo de S. Cristóvão), isentam-se de qualquer pena os
que praticarem coimas fora dos seus municípios e conseguirem escapar sem ser
detidos.
4. Foros e impostos
Os destinatários destes forais pagam quatro espécies de tributos: uma contribuição individual sobre a produção agrícola, e outra sobre a caça e a pesca; uma prestação colectiva, designada com o nome de “colecta” ou de “parada”; e, finalmente, os “vodos” ou “votos”. Só o primeiro tributo é absolutamente geral e, mesmo assim, num dos casos, substituível por um pagamento em dinheiro (Torre).
O
foro respeitante à produção agrícola é pago em cereais, vinho e linho. A
quantidade de cereais é fixada em relação a cada agricultor (só num dos casos,
em relação a cada courela), independentemente da utilização ou não de animais
no trabalho, com excepção do foral de Espinho, de todos o mais antigo (1144),
onde se usa o critério da jugada, isto é a fixação do tributo a partir do número
de bovinos usados no trabalho, e de Godim e S. Cibrão, onde se estabelece o
pagamento de uma renda correspondente ao oitavo da produção.
FOROS OU TRIBUTOS INDIVIDUAIS
DATA |
LOCALIDADE |
COURE-LAS |
POVOA-DORES |
TRIGO |
CEN-TEIO |
CEVADA |
MILHO |
VINHO |
LINHO |
|||||||
1144 |
Espinho de Panóias |
|
(a) |
3 ou 6 q |
|
|
|
1/8 |
1 mn |
|||||||
1160 |
Celeirós |
8 |
– |
1 q |
1 q |
1 q |
1 q |
1 m |
(b) |
|||||||
1162 |
Covas |
|
20 |
1 q |
1 q de seg.ª |
|
2 p |
1 mn |
|
|||||||
1195 |
Covelinas |
16 |
4 |
1 q |
1 q |
1 q |
1 q |
1 m |
1 af |
|||||||
1196 |
Ermelo e Bilhó |
|
(c) |
|
|
|
|
|
|
|||||||
1196 |
Sabrosa |
|
10 |
1 q |
3 q de segunda |
|
1 m |
|
|
|||||||
1196 |
Souto [de Escarão] |
|
4 |
|
3 q |
|
3 q |
|
|
|||||||
1196 |
Souto Maior |
|
12 |
3 q de pão (indif.) |
|
|
3 q |
|
|
|||||||
1200 |
Abaças |
|
11 |
1 q |
3 q de segunda |
|
1 m |
|
|
|||||||
1202 |
Guiães |
|
13 |
1 q |
3 q de segunda |
|
1 m |
|
|
|||||||
1202 |
Sª Marta e Biduído |
|
7 |
|
|
2 m |
2 m |
|
(d) |
|||||||
1202 |
Fontes, Tabº e Crast.º |
|
40 |
1 q |
1 q |
1 q |
1 q |
1 m |
4 af |
|||||||
1203 |
Veobou |
|
1 |
5 q |
5 q |
5 q |
5 q |
5 m |
4 af |
|||||||
1205a. |
Cast.de S.Cristóvão |
|
16 |
1 m |
1 m |
|
|
|
|
|||||||
1205 |
S. Cipriano |
|
12 |
1/8 |
|
|
|
|
|
|||||||
1206 |
Fonte de Muliere |
|
5 |
|
2 q |
|
2 q |
|
(e) |
|||||||
1207 |
Souto (de Telões) |
|
3 |
|
5 q |
|
5 q |
|
(f) |
|||||||
1208 |
Rualde |
|
30 |
1 q |
1 q |
1 q |
1 q |
1 m |
|
|||||||
1208 |
Andrães |
|
– |
1 q |
1 q |
1 q |
1 q |
1 m |
(g) |
|||||||
1209 |
Gache |
|
6 |
|
3 q |
|
3 q |
|
|
|||||||
1210 |
Godim |
|
5 |
1/8 |
|
|
|
|
|
|||||||
1211 |
Favaios |
|
12 |
3 q. Indif.º |
|
|
|
3 q |
|
|||||||
1212 |
Canedo |
|
5 |
|
3 q |
|
3 q(h) |
6 q |
|
|||||||
1213 |
Campo (de Jales) |
|
10 |
1 m |
1 m de seg.ª |
|
|
|
|
|||||||
1217 |
Ceides |
|
6 |
8 s terciado |
|
|
|
|
|
|||||||
1217 |
Vila Chã |
|
6 |
8 s terciado |
|
|
|
|
|
|||||||
1222 |
Justes |
|
9 |
|
1 q |
1 q |
|
|
|
|||||||
1223 |
Torre |
|
3 |
|
|
|
|
|
(i) |
|||||||
1223a. |
Carvelas |
|
– |
6 m terciado |
|
|
|
|
|
|||||||
m = moio q = quarteiro s = sesteiro p = puçal mn = manelo af = afusal
(O manelo de linho é de três atados, como diz o foral de Espinho, ou “virgis”, como traduz, em latim, o de Covas)
a) Em Espinho de Panóias o foro é pago em jugadas: por um boi, 3 quarteiros; por um jugo, 6 quarteiros.
b) Em Celeirós (caso único) pagam 1 teiga de “legumina”.
c) Em Ermelo e Bilhó dão 1 morabitino, 6 ferros e 1 “saraginem”.
d) Em S. Marta e Biduído, colectivamente, pagam mais 14 morabitinos, 14 espáduas e 18 fogaças.
e) Em Fonte de Muliere pagam mais 1 espádua e 2 pães de centeio.
f) Em Souto de Telões pagam mais 3 espáduas, 6 fogaças (de 3 almudes cada), 3 galinhas, 30 ovos, e 3 morabitinos.
g) Em Andrães pagam também 1 morabitino “por ferros de fogo”.
h) Em Canedo diz-se que o milho pode ser vermelho ou branco.
i) Em Torre pagam 6 morabitinos.
IMPOSTO DE “PARADA” E/OU “COLECTA”
LOCA- LIDADE |
1 D |
COURE LAS |
POVOA DORES |
PÃO |
2 V |
3 C |
4 M |
(“POR CARNE”) |
Espinho |
C |
|
|
fogaças: 1 de trº e 1 de cº |
|
1 |
|
1 sest.º de pão |
Celeirós |
P |
8 |
|
2 pães de almude, ½ tº,½ sª |
1 |
1 |
|
1 pele de coelho |
Covas |
|
|
20 |
pães: 40 meados, 4 de trigo |
1 |
|
|
4 ceras de porco |
Covelas |
P |
16 |
4 |
1 alm. pão cozido,½ tº,½ cº |
1 |
1 |
|
2 dinheiros |
Ermelo |
|
|
|
– |
|
|
|
|
Sabrosa |
P |
|
10 |
1 alm. pão cozido,½ tº,½ cº |
1 |
1 |
|
1 pele de coelho |
Souto E |
|
|
4 |
1 alm. pão cozido centeio |
|
1 |
|
2 peles de coelho |
Souto M |
P |
|
12 |
1 alm. pão cozido,½ tº,½ cº |
1 |
1 |
|
1 pele de coelho |
Abaças |
C |
|
11 |
1 pão de ½ almude |
1 |
|
|
1 pele de coelho |
Guiães |
C |
|
13 |
1 pão de ½ almude |
1 |
|
|
1 pele de coelho |
SªMarta |
C |
|
7 |
14 fogaças |
|
|
|
4 carneiros |
Fontes |
|
|
40 |
1 fogaça de trigo |
|
|
s |
1 corazil, 1 galinha, 136 ovos |
Veoboua |
|
|
1 |
1 soldo de pão de segunda |
|
|
m |
4 gal.as, 20 ovos, 1 bragád. de carne |
C.S.Cr. |
|
|
16 |
|
|
|
|
|
S.Cipr. |
|
|
12 |
|
|
|
|
|
F.de Mr |
C |
|
5 |
5 pães de centeio |
|
|
|
1 carneiro |
Souto T |
C |
|
3 |
3 fogaças |
|
|
|
2 carneiros, 3 galinhas, 30 ovos |
Rualdeb |
P |
|
30 |
1 alq. pão cozido,½ tº,½ cº |
1 |
|
|
1 fole de coelho |
Andrães |
|
|
|
|
|
|
|
|
Gache |
C |
|
6 |
1 alm. pão cozido |
|
1 |
s |
|
Godim |
|
|
5 |
|
|
|
|
|
Favaios |
P |
|
12 |
1 alm. pão cozido,½ tº,½ cº |
1 |
1 |
|
1 pele de coelho |
Canedo |
C |
|
5 |
|
|
|
|
4 galinhas, 20 ovos, 3 carneiros |
Campo J |
D |
|
10 |
20 pães |
|
|
|
10 espáduas |
Ceides |
C |
|
6 |
12 pães de centeio |
|
|
|
1 carneiro |
V.ª Chã |
C |
|
6 |
12 pães de 3 almudes |
|
|
|
1 carneiro |
Justes |
|
|
9 |
|
|
|
|
1 carneiro de 1 ano e 8 galinhas |
Torre |
C |
|
3 |
3 teigas de pão |
|
|
|
3 galinhas |
Car.las |
P |
|
|
1 sesteiro de pão |
|
|
|
2 carneiros |
1 D = Designação (nos documentos): P = Parada, C = Colecta ou Colheita, D = Direituras
2 C = Cevada (os números designam almudes)
3 V = Vinho ( “ “ “ “ )
4 M = Moeda: m = 1 morabitino, s = 1 soldo
a Veobou dá mais um soldo de nozes
b A parada de Rualde “não deve ser comida na Vila”
OUTROS IMPOSTOS: “VODO”, CAÇA E PESCA OU “CONDADO”
LOCALI DADE |
COURELAS |
POVOADORES |
VODOS |
CAÇA OU “CONDADO” | ||||
|
|
|
|
veado |
cervo |
porco |
urso |
rio |
Espinho |
|
|
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Celeirós |
8 |
|
– |
– |
lombo |
lombo |
mãos |
– |
Covas |
|
20 |
– |
lombo |
– |
4 ceras |
mãos |
”6 de pescar” (?) |
Covelinas |
16 |
4 |
– |
– |
– |
lombelo limpo a |
mãos |
1 lampreia, 1 sável, 2 peixes |
Ermelo/B. |
|
|
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Sabrosa |
|
10 |
semelhante * |
lombo b |
– |
– |
mãos |
– |
Souto Es. |
|
4 |
– |
lombo c |
lombo |
lombo |
mãos |
– |
Souto M.r |
|
12 |
1 soldo |
corazil c/lombo d |
– |
– |
mãos |
– |
Abaças |
|
11 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Guiães |
|
13 |
– |
– |
– |
lombo |
mãos |
– |
Sª Marta |
|
7 |
1 m. pão |
– |
– |
– |
– |
– |
Fontes |
|
40 |
– |
– e |
– |
– |
– |
– e |
Veobou |
|
1 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
C.de S.C. |
|
16 |
1 t. pão |
– |
– |
– |
– |
– |
S. Cipr.º |
|
12 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
F. de M.r |
|
5 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Souto (T) |
|
3 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Rualde |
|
30 |
– |
lombo |
– |
– |
mãos |
primícias |
Andrães |
|
|
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Gache |
|
6 |
2 q. pão |
lombo f |
– |
lombo |
mãos |
– |
Godim |
|
5 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Favaios |
|
12 |
1 s. pão |
corazil c/lombo d |
– |
– |
mãos |
– |
Canedo |
|
5 |
1 s.: ½ pão,½ vº |
– c |
lombo |
lombo |
mãos |
– |
Campo Ja. |
|
10 |
5 q. pão |
– |
– |
– |
– |
– |
Ceides |
|
6 |
|
– |
– |
– |
– |
– |
Vila Chã |
|
6 |
1 s. pão |
– |
lombo |
corazil |
mãos |
– |
Justes |
|
9 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Torre |
|
3 |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
Carvelas |
|
|
– |
– |
lombo |
lombo |
mãos |
– |
|
m = moio q = quarteiro t = teiga s = sesteiro
* A carta de Sabrosa diz que o “vodo” é semelhante, mas não resulta bem claro qual seja o termo de referência.
a) “sem osso e sem couro”.
b) Em Sabrosa, cada courela dá duas peles de coelho.
c) Em Souto de Escarão e em Canedo, “veado” é a designação genérica de toda a caça; do corço paga-se também um lombo. Quem não der tributo de caça, paga uma libra de cera.
d) Em Souto Maior e em Favaios, de “veado maior de cera” dá-se um “corazil com seu lombo”, e de “corudo” nada.
e) Em Fontes dá-se “condado de monte e não de rio”.
f) Em Gache, de todo “veado” dá-se o lombo, e, como em Souto Maior, de “corudo” nada se paga.
A quantidade a pagar por cada agricultor oscila entre o meio moio (dois quarteiros ou três sesteiros) e os quatro moios, sendo mais frequente o pagamento de um moio, constituído por um quarteiro de cada um dos quatro cereais cultivados na área. Excepcionais são os casos de S.ª Marta e Biduído, onde se pagam quatro moios, mas há um alívio noutros impostos, e o de Veobou, mas este apenas aparentemente, porque, embora o destinatário imediato nomeado na carta seja apenas um, a localidade tinha condições para acolher outros povoadores.
Num bom número destas localidades (metade) paga-se também foro em vinho, em quantidades correspondentes, em Espinho e Godim, a um oitavo da produção, mas, na maioria dos casos, fixada em valores constantes: excepcionalmente de um puçal, em Covas; mas em geral em quarteiros: mínimo de 3, em Favaios e Souto Maior; mais frequente, de 1 moio (Celeirós, Covelinas, Sabrosa, Abaças, Guiães, Fontes, Rualde e Andrães); de moio e meio em Canedo; e de cinco moios, mas pela razão já apontada, em Veobou.
Apenas em Covas se paga uma teiga de legumina, tributo que possivelmente testemunha a difusão da cultura dos feijões nesta região.
Poucas localidades pagam imposto em linho, em quantidades que vão desde um manelo (não parece, no entanto, que este manelo corresponda à designação que hoje se lhe dá) até aos quatro afusais.
O tributo sobre a caça abrange o cervo ou corço, o porco bravo (javali) e o urso. A palavra veado é empregada, umas vezes, no sentido genérico, de acordo com as suas origens etimológicas (venato > veado = caçado), e outras vezes no sentido específico que actualmente se lhe atribui, para designar os cérvidas. O animal com mais frequência mencionado, como sucede noutras regiões do país, é o urso, que nos tempos modernos, e desde há muito, se não encontra nos montados portugueses. Pelos vistos, eram excepcionalmente apreciadas as suas mãos, tal como o lombo do javali e o dos cervos.
Em dois municípios os impostos sobre a caça podiam ser substituídos por uma libra de cera. O tributo sobre a caça é algumas vezes referido com o nome de “condado” (Celeirós, Covas, Souto de Escarão), que pode também designar o tributo sobre a pesca.
Sobre a pesca, pagavam imposto três povoações muito próximas do rio Douro: Covas, Covelinas e Rualde. Os habitantes de Rualde davam as primícias que extraíam do rio, enquanto os de Covas contribuíam com a sexta parte das suas recolhas, e os de Covelinas entregavam uma lampreia, um sável e dois outros peixes.
Além dos foros e impostos pagos individualmente pelos agricultores, havia na região um tributo colectivo, que os moradores pagavam em cada ano, por ocasião da visita do rei ou do senhor, e correspondente às despesas da estadia, ainda que, numa destas localidades, o prurido com a defesa da autonomia local, naturalmente para reduzir o tempo de pousada da comitiva senhorial, tenha levado a especificar que a parada não seria comida dentro da vila! Colecta ou parada eram, de facto, as designações que geralmente se lhe aplicavam, só excepcionalmente se chamando direituras (Campo de Jales). A designação de “parada” é usada nos municípios da área sudeste (é também comum aos forais do grupo de S. João da Pesqueira), enquanto a de “colecta” se encontra nas outras localidades.
A parada ou colecta tinha várias componentes:
– fogaças ou outras formas de pão cozido, em quantidades variáveis;
– um almude de vinho: se exceptuarmos Espinho, todas as localidades que pagam foro individual em vinho também o têm incluído na “colecta” ou pagam uma prestação em dinheiro;
– um almude de cevada, cujo pagamento se determinava apenas em oito destas localidades;
– uma prestacção em carne ou dela substitutiva (“por carne”), em quantidades e espécies muito variáveis: carneiros, galinhas, ovos, presuntos (corazis ou espáduas). O seu valor é mais alto nas localidades onde é mais baixo o das outras componentes deste tributo. O mínimo é de um fole ou pele de coelho, pago por oito localidades.
Apenas em Covas se paga lutuosa (6 morabitinos). Em três outras localidades (Canedo, Vila Chã e Justes) isentam-se expressamente os moradores desse imposto.
Os mapas tributários fornecem uma breve panorâmica da economia que se está a incrementar na região:
– cultivo diversificado de cereais: trigo, centeio, cevada, milho;
– difusão da vinha, assistindo-se ao lançamento das bases de uma importante área vinícola;
– cultivo do linho, que, em simultâneo com a lã dos rebanhos, possibilita a auto-suficiência local no sector do vestuário;
– criação de rebanhos de ovelhas e carneiros;
– criação de animais domésticos, destinados à alimentação: galinhas e porcos;
– complemento destas actividades mediante o recurso à caça grossa (cérvidas, javalis, ursos) e ao coelho, embora à caça deste se não reconheça grande valor (pelo menos no plano tributário);
– a pesca tem alguma expressão apenas num pequeno número de localidades mais próximas do rio Douro.
5. Direito de propriedade
Em vários diplomas se reconhece ao cultivador o direito de propriedade quase plena sobre as terras. Apenas em Covas se exige a posse há mais de cinco anos e se limita a venda das herdades, pondo a condição de o adquirente ser um vizinho; em Abaças, exige-se a posse de três anos; e em Guiães se diz “istas tendas [devia ser terras no original] non vendant nec imprestent in vita sua”. Por regra, exige-se unicamente que o comprador (ou o destinário de uma doação) continue a obedecer ao mesmo foro tributário: Covelinas, Souto de Escarão, Souto Maior, Veobou, Godim, Canedo, Campo de Jales. Em localidades cuja carta de foro não é de outorga régia estabelece-se uma escala de preferências na compra das herdades postas à venda:
em Gache: primeiro, os moradores de S. Lourenço;
em Torre: primeiro, o mosteiro.
Nestas
duas povoações e em Justes proíbe-se a venda a cavaleiros (milites), juniores,
clérigos e frades de qualquer ordem. Trata-se evidentemente de acautelar o
pagamento dos foros, de que todos esses, por natureza ou em razão da pessoa a
quem serviam (no caso dos juniores), se consideravam isentos.