Forais do Nordeste

     (BRAGANÇA)

Na área correspondente ao actual distrito de Bragança distinguem-se dois grandes espaços bem diferentes um do outro: um, englobando o nordeste e grande parte do interior, e outro, estendendo-se pela margem norte do Douro e prolongando-se um pouco pelos vales do Tua e do Sabor. O norte faz parte da zona que os geógrafos chamam terra fria transmontana; o sul enquadra-se na terra quente.

A parte meridional é a de mais antiga municipalização e nela se localizam, a oeste, os municípios de Ansiães e Linhares, que receberam forais [1137-1139] de um dos tipos mais antigos do nosso país (grupo de S. João da Pesqueira), e, a nascente, os de Freixo de Espada à Cinta [1152] e Mós (1162), que receberam foral do tipo do de Numão, como já, a seu tempo, foi referido. Esta parte do território transmontano esteve sempre em amplo contacto com os povos da outra margem do rio Douro. A osmose daí resultante continua a verificar-se no último quartel do século XII, e depois, se bem que, em certo modo, por via indirecta: Urros, em 1182, Junqueira da Vilariça e Santa Cruz, em 1225, recebem como foral um diploma derivado do de Freixo de Espada à Cinta. Vilarinho da Castanheira, em 1218, tomará por modelo o foral de Longroiva, que, situando-se no actual distrito da Guarda, teve um carta redigida segundo paradigmas elaborados na área de Viseu.

Especificamente concebidas para a área a que se destinavam, foram as cartas de foro concedidas ao municípios de Bragança, em 1187, e, em data próxima, ao de Penas Roias.

Apesar de encostado ao de Bragança, de cujo território será um desmembramento, o foral do município de Rebordãos, outorgado em 1208, assim como o que, em data incerta (entre 1197 e 1209), foi outorgado a Freixiel pelos Hospitalários, aproxima-se mais da tipologia dos forais da área de Vila Real.

Estes dois forais contêm disposições muito favoráveis, que lhes conferem a natureza de uma proposta aliciante feita aos moradores, para que permaneçam, e um convite a outros, para que venham fixar-se nesta área, que, pelas condições naturais e pela sua situação, como zona de fronteira, não era de todas a mais atraente.

 

1. Bragança, 1187; Penas Roias, [1187-1189].

 

Apenas o foral de Bragança é datado, mas o de Penas Roias tem uma cronologia muito próxima, uma vez que, excluído o Bispo do Porto, os outros confirmantes são os mesmos, não podendo, de qualquer modo, ser posterior a 1188, ano em que se regista o óbito de um deles, o Arcebispo de Braga, D. Godinho.

1.1. Organização local.

Os forais de Bragança e de Pena Roias foram elaborados para responder aos problemas característicos da área nordestina.

O governo do município é assegurado pelo concelho. Ao concelho é endereçado o foral de Penas Roias, enquanto o de Bragança se dirige aos povoadores da cidade (em diversos forais do século XII, a categoria de cidade subentende a existência de um município). Se alguém morrer sem herdeiros, próximos ou afastados, é o concelho que dispõe dos seus bens, aplicando metade em sufrágios pela sua alma, e entregando ao senhor a outra metade.

O juiz o saião e o meirinho são de nomeação régia, sendo-lhes vedado entrar nas herdades pertencentes aos moradores, situadas quer dentro quer fora da vila (o foral refere-se expressamente apenas ao juiz e ao saião). O juiz intervirá somente na ocorrência de algum dos três delitos mais graves: homicídio, rouso e furto, e é em relação a essa intervenção que deve ser entendida a expressão do foral, determinando que em tais circunstâncias “veniat rex”, isto é, que intervenha a justiça régia: “ad rousso, ad homicidium et ad furtum veniat rex”.

1.2. A sociedade.

Os peões e os cavaleiros têm o mesmo estatuto judicial: “si pedon vestre ville percusserit caballarium aut caballarium pedonem equaliter pectent sibi ad invicem et equale iudicium habeant pedones et caballarii”. Para além do reduzido número dos clérigos, são também estas as duas únicas categorias sociais coexistentes no termo do município.

Do mesmo modo que se estabelece a igualdade de tratamento penal entre peões e cavaleiros, determina-se a aplicação de iguais critérios para castigar os delitos de que sejam vítimas a “gens hebrea” (Penas Roias) ou os judeus que aí se encontrem.

Os moradores gozam da liberdade de se colocarem ao serviço de quem quiserem – rei, conde ou infanção – sem que esse facto implique a perda dos seus privilégios.

1.3. Fiscalidade.

Individualmente considerados, em face do respectivo foral, os moradores de Bragança e de Penas Roias podem considerar-se os mais privilegiados de todo o reino:

– o juiz e o saião não têm qualquer poder sobre as suas herdades;

– estão isentos da obrigação de dar pousada;

– não pagam foros nem tributos;

– estão inclusivamente isentos das portagens, não só no termo municipal, mas também em todo o reino;

– estão isentos do maninhádego, se tiverem esposa e filhos, embora estes tenham morrido, ou se forem clérigos;

– pagam apenas três dinheiros de colecta, se o rei visitar a vila.

Mesmo se um cavaleiro beneficiar de algum préstamo, ocorrendo a sua morte, não se paga núncio, e o préstamo é transmitido aos seus filhos, do mesmo modo que a cavalgadura e as armas que eventualmente tenha recebido do senhor – que, explicita o foral de Penas Roias, apenas pode ser o rei. Só estes cavaleiros – os que usufruírem de algum préstamo – são obrigados a participar no fossado, mas, se a ele não comparecerem, a única coisa que lhes acontece é terem de pagar uma multa de 4 ceras.

1.4. A justiça.

A tabela das coimas reduz-se, a muito pouco:

    COIMA

     DELITO

300 soldos

homicídio de morador da vila, cometido por homem de fora

1 fole de coelho

homicídio do meirinho

– (isento)

homicídio de homem de fora, cometido por morador

          A falta de menção de outras coimas deve-se ao facto de apenas os três maiores delitos – homicídio, rouso e furto – estarem sob esse regime, e mesmo estes caírem sob a alçada da justiça régia, que lhes aplicaria a tabela própria.

A não intervenção directa da justiça municipal nos processos relativos a esses crimes explica também o reduzido número de normas sobre questões de justiça contidas nestes dois forais, que praticamente se reduzem às seguintes:

– todos os julgamentos em que seja arguida uma viúva, mesmo que a outra parte seja de fora, terão lugar dentro da vila, e nunca fora das portas desta;

– se algum munícipe tiver sido privado das suas herdades por qualquer meio injusto ou sem julgamento, devem elas ser-lhe restituídas ou aos seus parentes;

– as sucessões, por herança, realizar-se-ão pela seguinte ordem:

1.º – os filhos, se os houver;

2.º – os parentes moradores na vila;

3.º – os parentes moradores fora da vila;

4.º – se não houver herdeiros, o concelho tomará conta dos bens, aplicará metade em sufrágio pela alma do falecido e entregará metade ao senhor; só neste caso, por conseguinte, se aplica a norma do maninhádego.

 

         2. Rebordãos, 1208.

         A concessão de foral a “Rebordãos de Bragança”, em 1208, corresponde à criação de um novo município dentro do termo concedido anteriormente a Bragança, que englobava também a terra de Lampaças, localizada na parte sul do actual concelho do extremo nordeste transmontano.

         Em Rebordãos erguia-se, conforme o testemunho do foral, o castelo de Taurões ou Tourães, cujo lugar de implantação se situa na actual freguesia de Rebordainhos, confirmando que de facto Rebordãos, além da freguesia com este nome, abrangia outras parcelas do actual concelho de Bragança.

         Apesar de tudo, o foral de Rebordãos aproxima-se mais de outros, concedidos a localidades situadas a oeste do distrito de Bragança, do que do outorgado ao município que lhe ficava próximo e que, de algum modo, lhe deu origem.

          2.1. Organização local.

         A um rico-homem está confiada a tenência do castelo, cuja manutenção e defesa é ordinariamente assegurada por um dos seus “milites”. A este ou directamente ao rico-homem são pagos os tributos e as coimas que recaem sobre os moradores.

         Estes, por seu lado, nada têm a ver com a manutenção da fortaleza (“non debent bastire ipsum castellum”), mas são obrigados a participar no fossado. O foral determina que, nessa altura, uma parte dos moradores entre no castelo, com as suas armas e alimentos, e outra parte se mantenha fora, para guardar os gados.

         O órgão responsável pela condução da vida pública local é o concelho, entidade a que, aliás, é endereçada a carta de foro, e a quem se atribui, para além das funções habituais, o direito de padroado, competindo-lhe escolher o clérigo que garantirá o serviço religioso na igreja local.

         No corpo do foral não se faz referência a um juiz local, e é provável que o não houvesse exclusivamente ao serviço do concelho, uma vez que, no escatocolo do documento, aparece como testemunha o de Vinhais.

         2.2. A justiça.

         Se ao juiz se não alude, poucas são também as disposições relativas ao funcionamento da justiça.

         O foral determina que apenas três crimes – homicídio, rouso e furto – estão sujeitos ao pagamento de coima. Naturalmente, o concelho acharia meio de resolver os problemas criados pela prática de outros delitos. Daqueles, só o homicídio de que é vítima o representante do castelo, no acto de cobrar as outras coimas, tem a penalidade estabelecida no texto do diploma (60 soldos). Fora isso, apenas se fixa a sanção que atinge os possíveis atentados contra o estatuto criado pela carta de foro, num quantitativo de mil soldos.

         Quanto a normas de actuação, o foral limita-se a especificar que as referidas três coimas se aplicam somente aos delitos “conhecidos”, ou seja, testemunhados, e a reconhecer aos munícipes o direito de não responder “per aposicionem” (o mesmo que a “apostilia” de outros documentos), isto é, sem que haja uma acusação fundamentada em provas válidas.

         2.3. A sociedade.

         Escassos são os elementos que o diploma fornece sobre a composição da sociedade local, da qual apenas ficamos a saber que havia herdadores e podia haver outros que não o fossem.

         2.4. Economia e fiscalidade.

         O herdador (hereditarius) estava isento do maninhádego, mas pagava diversos tributos ao rico-homem ou ao castelo:

parada: neste diploma chama-se “parada” ao mesmo imposto que na terra de Panóias se designava simplesmente como foro,

isto é, ao imposto individual a pagar pelos agricultores;

fossadeira;

osas: imposto por altura do casamento, pelo menos em certas circunstâncias; há divergência entre duas cláusulas,

uma fixando em quatro soldos este tributo, outra, mais à frente, taxando-o apenas em três;

colecta.

         Embora ignoremos quantos eram os moradores tributários, o foral determina que sejam pagas sete paradas e meia, assim como sete fossadeiras e meia. Para corresponder a esse número, é provável que fossem cinco os agricultores taxados, na altura da concessão do foral, de modo a caber a cada um deles uma unidade e meia de cada um desses tributos, tanto mais que entre as testemunhas se contam Fernando Peres “cum IIII vicinis”: os poucos vizinhos estariam todos presentes.

MAPA TRIBUTÁRIO

      DESIGNAÇÃO

     COMPONENTES

Parada (7 e ½)    

3 almudes de centeio

 

1 almude de trigo

 

1 imina de vinho

 

1 galinha

Fossadeira (7 e ½)

1 soldo

Colecta            

1 porco de 4 soldos

Osas               

3 soldos

Ajuntando-lhe o gado, a cuja guarda se dedicavam os que não entrassem no castelo, na altura do fossado, temos, a partir deste breve mapa tributário, uma sucinta panorâmica da economia local: cultivo de centeio e trigo, exploração da vinha, criação de gado nos montados, e, ao redor da habitação, de porcos e galinhas.

 

3. Vilarinho [da Castanheira], 1218.

  O contacto entre as franjas meridionais da área nordestina e as comunidades instaladas a sul do rio Douro, mais uma vez, é testemunhado pelo foral de Vilarinho [da Castanheira], que, em 1218, se apresenta como seguidor de um modelo actualmente desconhecido, o foral de Longroiva. Esta localidade abrangeria uma porção importante do actual concelho de Meda, de que agora é simplesmente uma das freguesias. Diz-se que o foral de Longroiva foi outorgado por Fernando Mendes, senhor de Bragança e Lampaças, antes de 1145, ano em que doou o senhorio aos Templários. O foral manuelino, porém, refere que, preparando a sua elaboração, foi “visto o foral da dita vila dado por Egas Gosendes, confirmado por ElRey dom Afõm Anriqz”. Esta referência encaminha-nos para outro diploma outorgado também por Egas Gosendes a uma circunscrição relativamente próxima: o foral concedido a Sernancelhe, em 1124, posteriormente ampliado, como a seu tempo observámos. Sernancelhe é actualmente um concelho pertencente ao distrito de Viseu, mas o mesmo diploma foi, já em 1220, outorgado a uma localidade confinante, mas situada no actual concelho de Trancoso, distrito da Guarda: Sebadellhe da Serra. Longroiva situa-se no concelho de Meda, a nordeste de Sernancelhe e de Sebadelhe da Serra, confrontando, a sul, com o concelho de Trancoso.

O diploma de Vilarinho da Castanheira, reproduzindo o desaparecido foral de Longroiva, conterá possivelmente o texto mais próximo da versão original da carta de foro de Sernancelhe.

         3.1. Organização local.

Em Vilarinho, a organização da vida pública mantém esquemas idênticos aos de Sernancelhe, mas o alcaide é eleito pelo concelho e não pelo senhor, que no entanto merece todo o respeito dos moradores, sendo alvo de punição as aleivosias contra ele cometidas. Nunca se recorre à expressão “homens-bons”, mas realça-se a importância do concelho, como entidade cujas decisões não podem ser desrespeitadas. O concelho aufere metade das coimas e dos direitos de portagem. Quando algum munícipe morrer sem herdeiros, o concelho encarrega-se de entregar metade dos seus bens ao senhor e de aplicar a outra metade em sufrágio da sua alma, e, neste aspecto, identifica-se com a prática seguida em Bragança e Penas Roias.

É necessário recorrer ao juiz, antes de, segundo a tendência geral da época, fazer qualquer penhora, com intenção de reivindicar a satisfação dos próprios direitos.

Ao saião, funcionário de segundo plano, na organização da administração e da justiça, não se encontram alusões.

         3.2. A justiça.

No âmbito das normas a respeitar na administração da justiça regista-se o princípio já universal na vida portuguesa de então: “nullus non recudat sine rancuroso” (a propósito do rouso, o foral diz que “conquerant illo suos parentes”).

DELITOS E COIMAS

DELITO

CASTIGO

MULTA  ALTERNATIVA

levantar a mão contra o alcaide

60 açoites  e expulsão 

90 moios 

tomar armas contra vizinho, na vila

60 açoites 

60      

homicídio (dentro da vila)

       

50      

rouso

       

50      

aleive contra o senhor

expulsão   

        

deixar a esposa e tomar outra 

          

        

desobediência ao concelho

30 açoites 

?    

faltar à fiança, sem ouvir juiz

       

1 bragal 

 

À semelhança de Sernancelhe, e de outros municípios deste próximos, para a maior parte dos delitos (excepção feita em relação ao homicídio, ao rouso, e à falta de respeito dos compromissos assumidos pelo fiador, sem recorrer ao juiz), prevê-se o frequente recurso ao castigo físico, embora aceitando a opção de o substituir por multas pecuniárias, cuja receita é sempre compartilhada, em porções iguais, entre o senhor e o concelho. Condenado à expulsão era o vizinho que se tornasse réu de aleives contra o senhor ou deixasse a esposa para se juntar com outra. Para as simples agressões aceita-se um procedimento correspondente à chamada lei de Talião: “intret illi in manus sicut dicit lex Moysi”; que esta disposição não constitui excepção confirma-o, por exemplo, idêntica norma do foral de Ferreira de Aves.

O valor estipulado para a fiança é também de um bragal.

         3.3. A sociedade.

A sociedade local de Vilarinho, formada por cavaleiros e peões, corresponde ainda ao mesmo estádio subjacente à versão inicial do foral de Sernancelhe. Não há sinais da existência de artesãos, embora se testemunhe a passagem de mercadores, a quem se cobram portagens.

Equiparam-se também aos cavaleiros os agricultores que possuírem cavalo ou égua e dispuserem das respectivas armas, dispensando-os do pagamento da jugada, mesmo se lhes morrer o cavalo, neste caso pelo período máximo de três anos.

         3.4. Economia e fiscalidade.

Basicamente idêntica à de Sernancelhe é a tabela dos impostos a liquidar pelos peões de Vilarinho. Nada oferece de novo este quadro em relação ao panorama económico da região, que já conhecemos através de outros forais desta área.

 MAPA TRIBUTÁRIO DE VILARINHO

DESIGNAÇÃO

TRIBUTO

Agricultura:   

 

jugada      

 1 quarteiro de cereal, independentemente do número de bois usados no trabalho.

vinho       

 1 puçal, desde que a colheita ultrapasse os 5 moios

 

(em Sernancelhe: desde que ultrapassase 5 quinales)

Caça*:          

 

urso        

 2 mãos

outro “veado”

 1 lombo, de “peia”

Outros         

 quinta dos lucros de terra de mouros

* A cláusula relativa à caça parece truncada, embora isso não deva afectar os

dados registados neste mapa.

 

         4. Freixiel, [1197-1209].

 

A sudoeste do actual distrito de Bragança, a confrontar, pelo sul, com Ansiães e com Vilarinho da Castanheira, e a poente de Junqueira da Vilariça, está Freixiel, cujo foral, outorgado em data imprecisa, entre 1197 e 1209, pelo prior da ordem do Hospital, reflecte mais a influência dos municípios situados a oeste, na terra de Panoias, do que a dos seus vizinhos da área de Bragança.

         4.1. Organização local.

A semelhança com os forais do distrito de Vila Real começa pela ausência de um juiz próprio, certamente devida à dependência em que Freixiel estava em relação às autoridades hospitalárias, que reservavam para si as instâncias mais altas da justiça.

Em contrapartida, o concelho, e os homens-bons que o integram têm um papel fundamental na condução dos assuntos do município:

– em acordo com o senhor, o concelho escolhe o mordomo, entre os vizinhos, e exonera-o;

– lança fintas para as despesas do município, cuja recolha fica a cargo do mordomo;

 intervém na resolução de vários problemas de justiça, devendo ser-lhe dado conhecimento das penhoras que, abaixo de certo valor, sem recorrer ao mordomo, podiam ser feitas pelos particulares.

O mordomo é o executor das decisões do concelho, competindo-lhe fazer penhoras acima de determinado valor (fixado pelo concelho), tirar as fintas, demandar as coimas e aceitar fianças (cujo valor unitário máximo está taxado em cinco soldos).

É necessário o testemunho de três homens-bons, para fazer prova dos delitos, assim como, em nome do concelho, três homens-bons devem prender os delinquentes (designadamente os autores de crimes de rouso e de ataques ao mordomo), ou acompanhar o mordomo quando este vai “poer segurança”, isto é, fazer penhoras.

Os capelães da igreja ou das igrejas locais são nomeados pelo senhor do castelo (o prior dos Hospitalários), que dará preferência aos clérigos “naturais da casa”, isto é professos na ordem, se aí quiserem morar “por soldada”.

Os vizinhos estão isentos do apelido e do fossado – “nom vaaom fazer cava nem hir a castello” – mas, em contrapartida, têm de pagar ao mordomo para sairem do termo.

O mestre dos Hospitalários compromete-se a dar preferência aos filhos dos moradores de Freixiel que quiserem trabalhar ao serviço da ordem.

         4.3. A justiça.

As circunstâncias em que foi outorgado o foral, e especialmente a grande dependência em relação às instâncias judiciais da ordem do Hospital, contribuíram para que, por desnecessárias, nele se não incluíssem normas sobre procedimentos que ultrapassavam a competência ou o âmbito de actuação dos homens-bons. Compreensivelmente, não encontramos aí algumas normas vulgares nos outros forais, outorgados após os meados do século XII, e, antes pelo contrário, registamos algumas cedências em relação a alguns princípios então geralmente adoptados:

– autorização de que os particulares façam penhoras, pelo menos até certo valor, embora com a obrigação de as submeter à ratificação do concelho;

– autorização, e mesmo ordem, para que um grupo de três homens-bons, sem esperar mandato do concelho ou do juiz, prenda quem atacar o mordomo ou outro homem;

– ampliação do número de circunstâncias, em que, tal como sucedia em relação ao homicídio (o foral não o prevê expressamente, mas supõe ser procedimento habitual), o vizinho podia recorrer ao juramento para se libertar das suspeitas.

         Salientem-se, porém, os seguintes aspectos:

– a repetida insistência na necessidade de provas de facto de qualquer delito, fornecidas por testemunhas qualificadas e em número bastante (três homens-bons), para que se pudesse urgir a aplicação da respectiva coima;

– a obrigatoriedade de aceitação de fiança, por parte do mordomo, e de o seu valor máximo não ultrapassar os cinco soldos;

– a exclusão da mulher como testemunha de outra mulher, excepto em circunstâncias onde normalmente se não verificava ;

a presença de homens: moinho, forno, lavadouro (registe-se este pequeno apontamento sobre os trabalhos reservados então ao sexo feminino).

As coimas estão fixadas em valores monetários, com excepção do furto, em que, como é regra geral, se determinam em proporção do valor em causa, e da exibição hostil de armas, que, segundo determinam também outros diplomas, leva à sua perda.

4.4. Economia e fiscalidade.

Os tributos a pagar pelos moradores escalonam-se, pelo menos parcialmente, segundo o esquema geral da próxima terra de Panóias:

1) o foro ou tributo individual de um quarteiro de cereal, a pagar por cada morador, desde que aí radicado há mais de um ano;

2) a colecta, a pagar anualmente, em conjunto, quando o prior da ordem visitar Vilarinho: 30 pães, metade trigo, metade centeio, 1 puçal de vinho, carne de uma marrã, 3 galinhas, 20 ovos e manteiga bastante para os preparar;

3) da caça contribuirão, com um lombo de cada cervo ou porco (javali) que apanharem no “madeiro”; e de cervo apanhado à corda ou de porca, não darão tributo.

DELITOS E COIMAS

COIMA

DELITO

        40 soldos    

  “ataque” ao mordomo ou a outro homem

40          

  ferir com lança, a trespassar

30          

  rouso

30          

  esterco ao rosto

30          

  violação do domicílio

30          

  sequestro na própria casa

30          

  ataque a homem em casa ou na água

10          

  agarrar pelos cabelos

5          

  ferir com lança, sem trespassar

5          

  ferir vizinho, causando sangue

5          

  “britar segurança” do mordomo, i. e,, não respeitar marca de penhora

5          

  cortar estrada do concelho

5          

  cortar árvores de fruto

5          

  bofetada (palmada com mão aberta)

1          

  punhada (com punho cerrado)

9 x valor     

  furto (o dobro para o lesado, o séptulo para o palácio)

perder armas  

  puxar de armas contra vizinho para ferir, sem justa causa

Estão isentos da lutuosa e do maninhádego.

Os solteiros são expressamente excluídos dos encargos tributários, embora esse facto não corresponda a qualquer privilégio, evidentemente porque se consideram integrados no lar dos seus pais ou familiares.

Quando morrem os pais, se os filhos estiverem casados há mais de um ano e partirem os bens entre si, cada um pagará, independentemente, o seu foro; se, porém, um deles comprar aos irmãos a sua parte, continuará a pagar apenas os tributos a que o seu pai estava obrigado.

Os moradores podem dispor com inteira liberdade das suas herdades, doando-as ou vendendo-as, desde que o novo titular continue a pagar os mesmos foros.

 Os habitantes de Freixiel cultivam o trigo e o centeio, tratam da vinha, criam porcos e galinhas, fazem por algumas árvores de fruto, e praticam a caça. É uma economia fundamentalmente agrícola.

Sob o aspecto económico, assim como sob o aspecto da organização local, com pequenas diferenças, devidas à sua dependência da ordem do Hospital, Freixiel assemelha-se à maioria das povoações da terra de Panóias.