Póvoas

   O esquema organizativo experimentado nos burgos que, nos últimos anos do século XI e ao longo do século XII, se instalaram no norte do país, foi também adoptado em diversas povoações de menor expressão demográfica e económica, nas quais, a par das actividades estritamente burguesas, continuava a ter uma significativa importância o sector primário, designadamente a agricultura e, em mais reduzido número de casos, a pesca. No conjunto desses municípios de índole meio urbana meio rural contam-se Ponte de Lima, Banho (S. Pedro do Sul), Barcelos, Melgaço, Castro Laboreiro, Vila Nova (Famalicão). Somar-se-lhe-ão mais tarde outros, como (Póvoa de) Varzim, já nos alvores do século XIV.

     1.1. Organização administrativa.

      O estatuto de couto traduzir-se-ia na autonomia municipal, e, por conseguinte, na existência de órgãos de justiça e de administração civil próprios e ainda num estatuto especial em relação às tarefas militares. Este foral não contém quaisquer elementos explícitos relativos à organização interna do município.

     1.2. Economia e fiscalidade.

     Também aqui os moradores pagavam o imposto anual de um soldo, pela sua casa; além disso, o foral estipulava: "de quanto laboraverint in terras ruptas dent terciam et de non ruptis quintam" (dêem um terço do que colherem nas terras cultivadas e um quinto das outras). Não restam dúvidas sobre a importância da componente agrícola neste município.

     O factor que mais contribuiu para o desenvolvimento da vila foi certamente a feira, a mais antiga feira documentada em Portugal. O foral colocava sob protecção os que participassem na feira, ao estabelecer a penalização (com a multa de 60 soldos) dos que "malefecerint" (fizessem mal) aos que a ela viessem, expressão bastante vaga, que naturalmente se referia aos assaltos e agressões físicas mas devia englobar também a opressão com a exigência de portagens ou a cobrança de taxas a elas equivalentes, no caminho da ida ou do regresso.

     1.3. Justiça.

Quanto à autonomia judicial, a única alusão que a denuncia claramente é o privilégio de asilo concedido aos que, tendo cometido crimes fora, se refugiassem dentro do couto.

 

 2. Barcelos [1166-1167]

      O foral de Barcelos [1166-1167] tinha como objectivo o incremento da povoação localizada junto a uma das travessias do Cávado. Embora não seja datado, a sua outorga deverá colocar-se entre 1166 e 1167, ou, quando muito, entre 1165 e 1169.

     2.1. A organização local.

Sobre a organização local, unicamente, pela lista dos confirmantes ou presentes no acto da concessão do foral, sabemos que existia um juiz em Barcelos. É mencionado o senhor da terra, obrigado a certas prestações, quando os moradores o acompanhassem ao fossado (até Tui, Bragança ou Trancoso), de que por conseguinte não estavam isentos.

    2.2. A sociedade e a justiça.

Quanto ao estatuto social, ou seja quanto à “honorem” (honra) dos habitantes, e quanto às disposições penais, exceptuado o caso das penhoras e fianças, expressamente abordado, este foral remete simplesmente para os usos e costumes de Braga (“pectent decimam de calumpnia Bracare”), explicitando que os delitos cometidos fora do termo apenas seriam punidos se o infractor fosse detido no mesmo dia.

    2.3. Economia e fiscalidade.

 

    O tributo anual que os vizinhos liquidam pelas suas casas é de 6 dinheiros, metade do que pagavam todas as outras localidades de Entre Douro e Minho que até aqui estudamos, sinal da modéstia da povoação e, ao mesmo tempo, do modo como se desejava estimular a afluência de moradores. Não se estabelecem portagens, nem taxas equivalentes, indício da reduzida expressão comercial da localidade, mas apenas o pagamento da décima de todo o trabalho.


  MAPA TRIBUTÁRIO

ARTIGO

IMPOSTO

casa   

6 dinheiros

casa (de viúva)  

3 dinheiros

rendimentos do trabalho

            1/10

     

Dos aspectos enunciados transparece a conclusão de que Barcelos é uma povoação incipiente, de cariz fundamentalmente agrícola, não obstante a sua vocação urbana.

 

3. Banho (S. Pedro do Sul), 1152

     A antiga povoação de Banho (Caldas de S. Pedro do Sul) terá ressurgido da cinzas, em que por longos tempos se viu mergulhada, quando D. Afonso Henriques, por solicitação do seu “tenens” para a terra de Alafões, lhe outorgou o foral de 1152.

    A expressão agrária desta póvoa é denunciada pelos géneros agrícolas em que se fixa o imposto “pro conducto” (jantar), que os moradores terão de pagar, de cada casa, ao senhor, todos os anos, por ocasião da sua visita: um almude de pão e um almude de vinho, além de mais dois dinheiros.

    A proibição de que o mordomo apreendesse o gado aos moradores, tanto pode relacionar-se com o sector agrícola, como com a actividade burguesa – já encontramos noutras localidades o gado dos burgueses a pastar em montados exteriores à área dos seus termos, sem que lhe pudessem cobrar o montádigo ou, em consequência, apreendê-lo.

    Há porém uma série de características peculiares de uma povoação onde se regista uma presença significativa de mercadores.

    

     3.1. Organização local.

 

    Para ser munícipe, basta chegar a Banho, dizer que se pretende morar aí e pagar os tributos que pagam os outros moradores, não sendo necessário, a partir desse momento, habitar permanentemente na povoação. Esta situação adequa-se plenamente ao modo de vida dos comerciantes que estabelecem numa localidade a sua base de actuação, mas depois circulam através do reino.

    Não é citado expressamente o concelho, mas supõe-se a organização colegial dos vizinhos, a agirem ou não em conjunto com o juiz:

– com o juiz local (“suo iudice”) os vizinhos aplicam o direito aos estranhos que ousem pôr a mão sobre um morador de Banho;

– se um vizinho não obedecer a uma convocatória para responder pelos seus delitos, prendê-lo-ão à porta de casa, castigando-o (com uma vara de dois côvados) “sicut iudicaverint vicini”.

     3.2. Economia e fiscalidade.

    Fixam-se as portagens a pagar pelos mercadores quando saírem para outras terras da jurisdição real com mercadorias, que parece constarem predominantemente de tecidos, sendo as importâncias a pagar determinadas em bragais. Como nos burgos, taxam-se expressamente os carniceiros que operem dentro da localidade.


MAPA TRIBUTÁRIO DE BANHO

DESIGNAÇÃO

TRIBUTO

 conducto” (jantar)    

1 almude de pão

 

1 almude de vinho

 

2 dinheiros

Portagens:

 

de cada carga cavalar ou mular

1 bragal

de cada carga de asno        

½ bragal

Carniceiros:

 

de cada vaca 

1 lombo

de cada porco

1 lombo

de cada carneiro

2 dinheiradas

 

    3.3. A justiça

 

    O estatuto penal reduz-se às quatro coimas: homicídio, rouso, furto, violação do domicílio. Outros problemas, designadamente os derivados das simples agressões físicas, deviam os moradores resolvê-los entre si, sem intervenção de justiças estranhas, especialmente do meirinho: “si aliquis aliquem percusserit, faciat ei directum inter vicinos et non curet de meirino”.

    Concede-se uma protecção à casa – ela é o sinal de pertença ao município, e serve de referência para a fixação das unidades tributárias – de tal modo que, se após um delito grave, um cidadão não tiver meios para liquidar a coima correspondente, a casa mantém-se intocável.

    À semelhança dos burgos já conhecidos, restringe-se ao mínimo necessário a obrigação de participar no fossado ou no apelido: apenas quando se der uma invasão de gente estranha.

 

     4. Melgaço [1185]

      O primeiro foral de Melgaço, como declara no preâmbulo, segue o de Ribadávia, que, já sabemos, foi elaborado à imitação do de Sahagún.

     Melgaço era uma povoação fronteiriça, onde foram sempre múltiplos os contactos com a Galiza, o que se traduziu em muitos aspectos da história local: Santa Maria da Porta, actual orago de Melgaço, evoca as grandes festas de Santa Maria do Portal, de Ribadávia, e São Facundo ou Fagundo, o santo que deu o nome a Sahagún, era o padroeiro de uma das igrejas medievais da nossa vila raiana. É natural que entre os povoadores de Melgaço se contassem agricultores e comerciantes provenientes de Ribadávia. Pelo texto do foral somos informados de que foram os próprios moradores que escolheram para modelo o foral daquela povoação galega.

    4.1. Organização local.

 

    Pelo que respeita à organização do município, o foral refere-se ao “concelho” e aos juízes, ao “senhor da terra” e ao  representante do rei, o “vicario regis”, isto é, o mordomo.

    Ao concelho compete julgar os casos de “rauso” (rouso) ou violação, as “injúrias” ou crimes que exijam reparação para com o lesado, autorizar o porte de armas, conceder protecção ao forasteiro que esteja em “inimizade” com um vizinho.

    Aos juízes são entregues os casos de agressão física. A “justiça” da vila intervém, com o “vicario” régio, nos casos de homicídio.

    Pelo contexto, pode concluir-se que se chama juízes aos membros do “concelho”, uma vez que as atribuições de um e outros se sobrepõem: velar pela ordem social, aplicar a justiça, arrecadar alguns impostos.

    O “vicario regis” (expressão que designa o mordomo), nomeado, de entre os moradores da vila, pelo monarca, actua também noutras circunstâncias, recebendo impostos e multas e aceitando fiadores em crimes e infracções vários.

    O “senhor da terra”, ou rico-homem, a quem estaria confiada a tenência da terra em que o município se integrava, é mencionado a propósito do seu direito a receber metade dos primeiros 12 soldos pagos pelos novos moradores (a outra metade cabe aos juízes).


    4.2. A sociedade. 


    Os destinatários do foral outorgado a Melgaço, em Agosto de 1185, são designados simplesmente como moradores ou vizinhos e os comerciantes chamam-se apenas mercadores. Nada se pormenoriza sobre o estatuto social, mas supõe-se que é uniforme, fundamentalmente o mesmo dos “burgueses” ou habitantes das povoações noutros documentos designadas como “burgos”.

    Propõe-se-lhes, como objectivos, que edifiquem e habitem na herdade que o Rei possui no lugar de Melgaço, doando-lhes também a metade régia de Chaviães, na terra de Valadares.


     4.3. Fiscalidade.

 

    Como nos outros forais portugueses dos burgos atrás referidos, fixa-se um imposto geral único, de 1 soldo, ou 12 dinheiros, a pagar por cada casa, a que se ajunta a taxa a pagar pelos carniceiros, que também não é inovação.

     Os vizinhos de Melgaço são ainda obrigados a pagar 6 soldos, de colecta, uma vez por ano, no máximo, quando o rei se deslocar à sua vila.

     Com oscilações, nuns casos para mais e noutros para menos, a tabela das sisas e portagens aproxima-se das de Guimarães e do Porto. Esta tabela aplicava-se aos mercadores vindos de fora, aos quais apenas era permitido vender a retalho no dia da feira – a segunda a que os documentos portugueses fazem referência.

    Refere-se expressamente que os moradores nada pagarão do pão e do vinho que colherem, dos panos e dos animais que venderem ou comprarem, assim como dos moinhos, fornos e almuinhas. Esta referência explica-se com a preocupação de corrigir disposições mais gravosas que se mantinham nos forais derivados de Sahagún, se bem que, em certos aspectos, corresponde a outras que já encontramos nos forais de Guimarães e do Porto (isenção de taxas sobre as compras de reduzido valor, e especificamente sobre o pão), e por outro lado lembra-nos que, tendo Melgaço um foral idêntico ao de “burgos” mais ricos, se previa também a expressão do sector agrário, que aliás já encontrámos no Porto.


PORTAGENS

ARTIGO

TAXA

DESTINATÁRIO

Mercadores:                         

 

 

mula                 

6  soldos   

Rei

cavalo               

2  soldos    

    

égua                 

1          

      

asno                 

6  dinheiros

    

carga de cavalo ou mulo

1  soldo    

½ para o rei e

carga de égua        

6  dinheiros

½ para o hospedeiro

carga de asno        

4          

 

carga de peão     

2          

 

Moradores:                            

 

 

boi                  

4 dinheiros 

 

manto de 1 cor       

4          

 

manto de coelho      

4          

 

vaca                 

2          

 

capa galega          

2          

 

saia de 1 cor        

2          

 

manto “viado”        

2          

 

saia  “viada”        

2          

 

pele de cordeiro     

2          

 

pele de cabrito      

1          

 


     4.3. A justiça.

 

    Sob o aspecto jurídico processual e penal, esta carta de foro é algo complexa, estabelecendo normas sobre a efectuação de penhoras, o procedimento a adoptar pelo forasteiro que entrava na vila em situação de inimizade com um vizinho, o modo de afastar, por meio de juramento, as suspeitas de homicídio, além de fixar as multas a aplicar às várias infracções, desde a mais grave, a violação do domicílio (500 soldos), à mais leve, a adulteração de medidas (5 soldos).


DELITOS E COIMAS

COIMAS

DELITOS

500 soldos    

violação do domicílio (arrombamento)

100 soldos   

homicídio

100           

homicídio ou agressão do saião

100           

rouso

  60           

puxar de arma (ferro) contra alguém

   15           

agressão, da barba para cima

     7           

agressão, da barba para baixo

     5           

adulteração das medidas

     5           

por cada dia em que se recuse a comparecer ante o concelho, quando tiver cometido calúnias (injúrias)

 

     5. Vila Nova (Famalicão), 1205

      O foral outorgado a Vila Nova (Famalicão), em 1205, coloca-nos perante uma realidade bastante diversa: uma superfície agrária é distribuída por quarenta cultivadores, que pagarão os impostos ou rendas em géneros agrícolas.

     5.1. Organização local.

 

    No foral encontram-se referências aos seguintes órgãos de autoridade:

– os juízes: mencionados a propósito dos gravames surgidos entre os vizinhos (aplicando-se a pena de expulsão a quantos não acatarem as suas decisões);

– o senhor da terra ou o seu vigário: não podem “fazer mal” aos haveres e ao gado dos vizinhos;

– o mordomo: não pode tomar seja o que for aos moradores.

    As autoridades com efectivo poder local são, por conseguinte, os juízes, não devendo o mordomo régio e o senhor da terra ingerir-se nos assuntos da vila.


     5.2. Sociedade, economia e fiscalidade...

     A cada um dos quarenta cultivadores ou “divisores” é atribuída uma parcela de terra, de extensão adequada, que fica sujeita ao pagamento de uma renda anual de um moio de pão, com a sua casa e horta, tributada em um bragal. O “divisor” torna-se proprietário da parcela e das benfeitorias que nela realiza, podendo inclusivamente vendê-la.

     Além desses agricultores, poderão quaisquer outros construir em Vila Nova a sua casa, ficando a pagar anualmente o mesmo foro de um bragal. Estes adventícios, dispondo de casa mas sem terra para cultivar, seriam naturalmente comerciantes ou mesteirais. Apesar do carácter vincadamente rural desta vila, o foral cria aí uma feira quinzenal, ao domingo, concedendo aos que a ela vierem o privilégio de não serem presos nem penhorados nesse dia, mesmo que cometam algum delito.


DISPOSIÇÕES TRIBUTÁRIAS

ARTIGO

IMPOSTO

Casa (incluindo hortos)      

1 bragal

rendimentos das herdades 

1/3

 

     5.3. Justiça.

     A carta de foro é relativamente curiosa, sob vários aspectos, pois quase se limita a remeter para os foros ou costumes de outras localidades e instituições: se nas portagens se adoptam os usos de S. Pedro de Rates e às bestas de carga se aplicam as disposições do foral de Guimarães, no foro penal segue-se, por regra, a ordem do Hospital.


DELITOS E COIMAS


DELITOS

COIMAS

homicídio           

Como na ordem do Hospital, depois de converter os moios em soldos

rouso               

                    »

esterco ao rosto            

                     »

violação do domicílio

60 soldos



6. Castro Laboreiro [1187-1211]

      Castro Laboreiro é a mais extensa freguesia do Alto Minho, embora grande parte do seu território seja constituído pelas montanhas escarpadas e agrestes. Situada numa linha de possível penetração em território nacional a partir da Galiza, o facto de ser terra portuguesa deve-se à bravura e determinação dos homens que em certos momentos dos nossos primeiros séculos defenderam a povoação – o castelo de Castro Laboreiro – garantindo a posse das terras do apertado vale. Durante muitos séculos, a população, continuando a tradição dos velhos castros, refugiava-se num amplo espaço defensivo, rodeado de muralhas, em grande parte conservadas, no alto do monte. Esse Castro Laboreiro teve um foral outorgado por D. Sancho I, que se teria irremediavelmente perdido, se o não tivessem registado os inquiridores enviados por D. Afonso III para o Alto Minho.

     6.1. Economia e fiscalidade.

     Castro Laboreiro não é um burgo e muito pouco tem que se lhe assemelhe, mas é uma póvoa, com uma índole muito específica, de aspecto urbano rudimentar. A única passagem onde se alude à actividade comercial é a cláusula em que se concede aos moradores a isenção da portagem “de quanto mercam in todo o Reyno”.

     Mas, se esta referência não é bastante para testemunhar com rigor a existência de um verdadeiro tráfego comercial, uma vez que podia aludir simplesmente aos bens que os vizinhos precisavam de adquirir no exterior, as outras passagens do foral mostram a gente de Laboreiro a viver modestamente da agricultura – cada casa dá ao rei dois pães e uma teiga de cevada, uma vez no ano, quando o monarca visita a vila – e da montaria ou caça: se El-Rei correr monte nas cercanias, têm de o acompanhar, até três vezes no ano, recebendo em troca o alimento para esses dias, mas podem eximir-se a essa obrigação, optando pelo pagamento da jugada, isto é, de dois quarteiros de pão.

     6.3. Justiça.

     No foro penal, há coimas apenas para o homicídio, o rouso, e o esterco à cara – de todos esses delitos se pagam ao Rei cinco dinheiros – e para o furto ou penhora abusiva, não fixada, mas revertendo a quinta parte para o cofre régio.